O selo postal, juntamente com o cartaz comercial, é uma das categorias de produto gráfico surgida a reboque das transformações geradas pelo acelerado processo de industrialização na Europa ocidental. Trata-se de produto gráfico industrial por excelência, produzido em grande escala por meios mecânicos de impressão e cuja função pressupõe a transmissão de forma clara e objetiva de informações relativas ao valor e à procedência do impresso. O Brasil foi o segundo país do mundo a adotar selos postais, dois anos depois da introdução do Penny Black na Inglaterra em 1840.
Os primeiros selos emitidos após a proclamação da República apresentavam uma representação de “Marianne”, uma alegoria à liberdade e à república originária da Revolução Francesa, e que é caracterizada pelo busto de uma figura feminina cuja cabeça é adornada por um barrete frígio.[1] Versões aperfeiçoadas da “Marianne Tropical” foram emitidas em 1893, 1894 e 1900, e estes selos apresentavam um design extremamente rebuscado, repleto de ornamentos de inspiração historicista.
Eliseu Visconti também se dedicou ao projeto dessa nova categoria de impressos, e em 1903 apresentaria uma série de 16 estudos de selos postais para o concurso proposto pelos Correios do Brasil. Ele foi o grande vencedor do concurso, mas seus projetos não foram colocados em circulação. Naquele momento, a Casa da Moeda enfrentava uma série de dificuldades para imprimir os selos brasileiros, especialmente no que se refere às injunções políticas, mas a empresa também recebia pesadas críticas dos correios por conta da má qualidade de impressão dos selos. Esses problemas levaram o governo brasileiro a encomendar selos postais nos Estados Unidos, ficando a American Bank Note Company encarregada de sua produção. Cabe comentar que tal decisão pode ter sido determinante para a não aceitação dos projetos de Visconti, embora também se mencione a oposição do então ministro de Viação e Obras Públicas, Lauro Müller. De qualquer maneira, desferiu-se um duro golpe no design gráfico brasileiro, que já demonstrava ter condições de dominar o ciclo de criação e produção industrial de selos postais. O aspecto mais cruel da não aceitação dos estudos de Visconti está no fato de que os selos postais emitidos logo depois insistiam em soluções gráficas antiquadas.
Frederico Barata chamou a atenção para a grande receptividade aos estudos de selos postais de Visconti no exterior:
Toda a imprensa na Europa e na América festejou, entretanto, os novos modelos dos selos brasileiros, felicitando o governo por ter sabido incumbir um verdadeiro artista na execução dos desenhos. L’IlLustration, de Paris, chegou a reproduzir todos os projetos de Eliseu Visconti com os mais lisonjeiros comentários.[2]
A primeira série de selos de Visconti guarda semelhanças com estudos de selos postais realizados por Eugène Grasset em 1895. O tratamento é essencialmente monocromático, uma exigência decorrente das tecnologias de impressão então disponíveis, que Visconti e Grasset rapidamente souberam compreender. No estudo de selo dedicado à República, Visconti introduz sua própria interpretação de figura feminina para representar a instituição republicana, modificando o barrete da típica “Marianne” vista nos estudos de Grasset. A figura feminina de Visconti é destacada do fundo através de um arco que lhe serve de moldura e, ao mesmo tempo, serve de suporte para a frase “República do Brasil”. Esta solução pode ter sido uma herança de peças gráficas comerciais realizadas por Alphonse Mucha.
Um dos mais fascinantes estudos de selo postal realizados por Visconti era aquele em que homenageava “A Aeronáutica”. Tinha como figura temática principal o dirigível nº 5 com o qual Alberto Santos Dumont conquistou o prêmio de 100 mil francos, oferecido por Henri Deutsch de la Meurthe ao primeiro aeronauta que decolasse do Parque Saint Cloud, contornasse a Torre Eiffel e retornasse ao ponto de partida em no máximo 30 minutos. Santos Dumont realizou a façanha em 19 de Outubro de 1901 e Visconti já havia homenageado o inventor brasileiro por este feito em um cartaz denominado O Beijo da Glória a Santos Dumont.
Também em 1903 Visconti elaborou uma série de estudos para cartas-bilhete, impressos semelhantes a cartões-postais. Os estudos de Visconti apresentavam uma ilustração sob forma de cabeçalho em que se destacava a figura feminina representando a República, e uma das versões reunia as figuras do almirante Tamandaré, de José Bonifácio e do duque de Caxias. Ao fundo, é possível perceber o contorno do Pão de Açúcar. Nesse estudo se faz presente um interessante experimento tipográfico realizado no título “Carta- Bilhete”. Eliseu Visconti desenhou os caracteres em estilo art nouveau, modificando as proporções de algumas letras de modo a criar um desenho diferenciado, um logotipo, a ser aplicado em toda série. Ao estender a haste vertical dos “Ts” ele permite que as letras adjacentes fiquem, por assim dizer, abrigadas, sob a haste horizontal. Um recurso semelhante foi utilizado de modo a criar um encaixe entre as letras “L” e “H”, e o efeito, em conjunto com o desenho especial da fonte tipográfica, produz um resultado extremamente original. A experimentação tipográfica também estava presente no desenho dos numerais que indicavam o valor de 200 Réis. Visconti propõe a interseção dos dois “zeros”, e assim acrescenta mais uma solução original a um impresso destinado à produção massificada.
A segunda série de estudos de selos postais realizados por Visconti data de 1921 e tinha como tema a comemoração do Centenário da Independência. Esta série apresenta originais soluções gráficas, como às três composições diferentes para o título “1º Centenário da Independência do Brasil” e a interseção de algarismos no espaço reservado aos valores, um experimento tipográfico utilizado anteriormente nos estudos de cartas- bilhete. A série foi projetada em resposta ao concurso proposto pelos correios, mas os selos não foram colocados em circulação.
A comparação com os selos emitidos pelos correios na mesma ocasião põe em evidência o contraste entre a qualidade gráfica dos estudos de Visconti e a visão retrógrada que pautava o processo de criação de selos postais no Brasil naquela época.
NOTAS:
[1] Referente à região da Frígia colonizada pela Grécia aonde os escravos libertos utilizavam o mesmo tipo de gorro.
[2] Frederico Barata, Eliseu Visconti e Seu Tempo. Rio de Janeiro: Editora Zelio Valverde, 1944, p. 164.