1913-1920 – Novo Desafio (Paris-Saint Hubert)

PRIMAVERA EM SAINT HUBERT - OST - 36 x 49 cm - 1915 - COLEÇÃO PARTICULAR
PRIMAVERA EM SAINT HUBERT – c.1915

No final de 1912, Visconti recebe nova encomenda de decoração do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, agora para o teto do foyer[1], cujo contrato será firmado em 13 de fevereiro do ano seguinte[2]. No entanto, apenas seis dias após o contrato, o pintor é renomeado pelo presidente Hermes da Fonseca, por mais cinco anos, para a cadeira de Pintura que ocupara até final do ano anterior, na ENBA[3]. Assim, antes de voltar a Paris em junho, com a esposa e os dois filhos, para executar as novas decorações para o teatro, Visconti pede licença das suas funções didáticas, renovando-a até que em julho de 1914 pede exoneração do cargo.

Os painéis ficam prontos em outubro de 1915, e na última semana do mês, Visconti os expõe em seu atelier de Paris, antes de trazê-los para o Rio de Janeiro. Devido ao perigo que representava a travessia do Atlântico em plena Primeira Guerra Mundial, o pintor deixa sua família, agora acrescida do caçula Afonso, que nascera em janeiro, numa propriedade dos pais de Louise, em Saint Hubert, nos arredores de Paris. Assim, o novo desafio que Visconti recebeu de mais uma decoração para o teatro, que é considerada uma de suas obras-primas, tornou-se também uma prova para sua coragem e senso de responsabilidade. Em 18 de março de 1916, o pintor termina os trabalhos de instalação das telas no foyer do teatro, e no início do mês seguinte embarca de volta à França para se juntar à esposa e os três filhos.

FLORES DA RUA - OST - 65 x 81 cm - c.1916 - COLEÇÃO PARTICULAR
FLORES DA RUA – c.1916

A partir de então, como depende dos rumos da guerra para poder voltar com sua família ao Brasil, Visconti dispõe de bastante tempo para registrar seus temas favoritos e fazer as pesquisas pictóricas dos efeitos atmosféricos, que o animavam desde o início da carreira, na propriedade de Saint Hubert, retratando a casa e o lugarejo, em diversas paisagens e cenas de gênero deslumbrantes e encantadoras: Primavera em Saint HubertA casa da vovó; Paisagem de Saint Hubert; Sob a folhagemSaint HubertAlma do passado; Neve em Saint Hubert; Tarde em Saint Hubert; Flores da Rua. Nesta última, todos os elementos da paisagem são formados por muitas cores, porém, em cada um deles, o pintor usou diferentes tipos de pincelada, experimentando texturas e efeitos diversos. A ampla maioria das telas de Saint Hubert não é datada, porém a identificação da paisagem assegura sua inserção neste período.

Algumas dessas pinturas são verdadeiras homenagens aos mestres impressionistas, com evidentes citações de suas obras, como Leitura a beira do rio, que na verdade retrata o pequeno lago do jardim da casa dos Palombe. Seus belíssimos reflexos de colorido suntuoso ocupam mais da metade da área da tela, cuja composição lembra a de O lago de Montgeron, criada em 1876 por Claude Monet. Assim também o encantador Moça no trigal faz lembrar, inevitavelmente, Papoulas (1873) do mesmo pintor francês, ou Caminho através do campo (c.1874) de Pierre-Auguste Renoir. Para pintar esta sua composição, intitulada em sua primeira exibição no Brasil como Pão e flores[4], Visconti estudou minuciosamente o trigal da paisagem, em pelo menos quatro pequenas telas.

LEITURA À BEIRA DO RIO - OST - 65 x 81 cm - c 1915 - COLEÇÃO PARTICULAR
LEITURA À BEIRA DO RIO – c 1915

Louise, Yvonne, Tobias e Afonso são protagonistas das cenas criadas por Visconti neste refúgio, quer em destaque: Meditando, Carrinho de Criança – nas quais filha e mãe, respectivamente, usam o mesmo chapéu florido –, Cura de Sol e As Maçãs; ou como personagens quase anônimos: Minha Família em Saint HubertTobias e Afonso no parque, ou Tobias no Jardim de Saint Hubert. Nesta tela, o menino pode ser identificado apenas pelo chapéu branco, que ele usa também em A Família do artista e Crianças Brincando. É o mesmo chapeuzinho que possibilita distingui-lo dentre os demais garotos de Ronda de Crianças, sentado sobre o muro à direita da tela. A partir dele, a estrutura da composição repete o movimento circular da brincadeira que dá título ao quadro. É a simbologia do reinício que Visconti apresenta ao primeiro Salon que aconteceu em Paris, após terminada a Primeira Guerra Mundial, organizado em conjunto pela Société des Artistes Français e a Société Nationale des Beaux-Arts, em 1919.

VOLTA ÀS TRINCHEIRAS - OST - 95 x 125 cm - c.1917 - COLEÇÃO PARTICULAR
VOLTA ÀS TRINCHEIRAS – c.1917

Embora sua família tenha permanecido na Europa durante todo o período da guerra, tendo se refugiado em Saint Hubert, Visconti não deve ter vivenciado os combates de perto. Somente duas de suas pinturas a óleo, dentre as conhecidas, abordam de forma muito suave o tema da guerra. Volta às Trincheiras seria a mais direta, pelo uniforme do soldado que beija a mão da moça tímida, numa despedida. Apesar do tema, é uma tela iluminada e de colorido intenso, cujo único detalhe que poderia simbolizar a saudade que se avizinha é o tronco quase seco, bem à porta do galpão coberto de flores vermelhas. A outra é Vitória de Samotrácia, que seria também uma das raras pinturas feitas no interior do atelier (apenas retratos, autorretratos e um nu, são conhecidos), desse período. A esposa de Visconti e seus filhos servem de modelo, mais uma vez, para a composição: Tobias e Yvonne abraçam a mãe que colhe suas lágrimas com um lenço, enquanto o pequeno Afonso, absorto em sua pintura, empunha um grande pincel. O tom castanho escuro do grupo de pessoas e móveis do atelier, contrasta fortemente com a parte superior da composição: a luz que entra pela vidraça, através da qual se vê a vegetação colorida do exterior, bate em cheio no peito da Vitória de Samotrácia, cuja aparição branca emana de uma tela emoldurada, tingindo-a com mil reflexos multicoloridos.

TOBIAS E AFONSO NO PARQUE - OST - 33 x 41 cm - c.1918 - COLEÇÃO PARTICULAR
TOBIAS E AFONSO NO PARQUE – c.1918

Somente em junho de 1920 Visconti pôde voltar definitivamente ao Brasil, com a esposa e os três filhos. Antes, porém, expõe no Salon daquele ano as pinturas Cura de Sol, Vitória de Samotrácia e A família. As mesmas foram também apresentadas na 27ª EGBA, mas, segundo notas da imprensa[5], elas não chegaram a tempo para o vernissage no Rio de Janeiro, ocupando seus lugares marcados desde a abertura, apenas três dias depois. Ao mesmo tempo, Visconti exibia diversas outras pinturas realizadas em Saint Hubert, ao lado de algumas pintadas no Rio antes de sua viagem, numa exposição individual na Galeria Jorge. Ao contrário daquela realizada após sua primeira viagem a Paris, esta obteve total êxito, tanto de crítica, quanto de público e vendas[6], talvez impulsionados pela crença anterior, de alguns, de que Visconti não mais retornaria ao Brasil[7]. Sua volta com tantas obras expostas, depois de seis anos ausentes, causou grande impacto:

Como paizagista, este pintor é decididamente um mestre. […] Para ter a certeza de que Visconti é um grande pintor, basta observar os seus quadros ora expostos, onde as pinceladas largas e vigorosas revelam o pulso de um artista definitivo. Temperamento de escol, o distincto pintor possue uma technica segura e pessoal, que imprime aos seus trabalhos um alto cunho de originalidade brilhante.[8]

O pintor Visconti é um espiritualista da pintura. A sua maneira é leve, sobria de tintas, agradavel de colorido. Na sua obra ha unidade e ha personalidade, qualidades essas só conquistadas pelos artistas de real valor. […] Sente-se na sua maneira, em varias paizagens expostas, uma certa influencia da escola franceza, muito embora essa impressão se apresente vencida pela individualidade do artista.[9]

A estrada do artista no velho continente, no momento das agruras materiaes e moraes da guerra, não tirou um atomo da sua dedicação pela arte e suas télas são o melhor exemplo do seu real valor.[10]

RONDA DE CRIANÇAS - OST - 79,5 x 130,0 cm - c.1918 - MUSEU ANTONIO PARREIRAS - NITERÓI/RJ
RONDA DE CRIANÇAS – c.1918

[1] Cópia da Carta de Visconti ao construtor do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, datada de 23 dez 1912 [pasta do artista na Biblioteca do MNBA].

[2] Carta nº 429, da Diretoria Geral do TMRJ [Fundo Eliseu Visconti, MNBA] informando que a proposta do pintor para as novas decorações do TMRJ foi aceita em 4 jan 1913, pelo prefeito do Rio, e as condições do contrato para sua realização.

[3] Ofício do Presidente da República, assinado por Hermes da Fonseca e Rivadavia da Cunha Corrêa, de 19 fev 1913 [Fundo Eliseu Visconti; MNBA] e cópia da carta enviada ao Ministro do Interior Rivadavia, de 17 dez 1912 [Notação 6058; Arquivo documental do MDJVI].

[4] Exposição Visconti. Revista da Semana, Ano XXI, nº 28, Rio de Janeiro, 14 ago 1920.

[5] O “vernissage” do salão deste anno. Hoje ás 15 ½ horas será a inauguração official. O Jornal (Bellas-Artes). Rio de Janeiro, 12 ago 1920, p. 3; e Impressões sobre o salão deste anno. Ainda a secção de pintura. O Jornal (Bellas-Artes). Rio de Janeiro, 15 ago 1920, p. 3.

[6] Exposição Elyseu Visconti. Jornal do Commercio (Notas de Arte), Rio de Janeiro, 5 ago 1920, p. 6; Exposição Elyseu Visconti na “Galeria Jorge” – Os quadros adquiridos. O Jornal, Rio de Janeiro, 6 ago 1920; Exposição Visconti. Revista da Semana, Ano XXI, nº 28, Rio de Janeiro, 14 ago 1920; Exposição Visconti, na Galeria Jorge. Gazeta de Notícias (Vida Artistica), Rio de Janeiro, 6 ago 1920.

[7] Visconti regressou ao Rio – A sua exposição na Galeria Jorge. A Noite, Rio de Janeiro, 6 ago1920.

[8] Exposição Visconti, na Galeria Jorge. Gazeta de Notícias (Vida artistica). Rio de Janeiro, 6 ago 1920.

[9] Exposição Elyseu Visconti na “Galeria Jorge”. Os quadros adquiridos. O Jornal (Bellas-Artes). Rio de Janeiro, 6 ago 1920.

[10] R.P. Salão de 1920. Jornal do Brasil (Bellas Artes). Rio de Janeiro 21 ago 1920, p. 8.

A CASA DA VOVÓ - OST - 55 x 42 cm - c.1916 - COLEÇÃO PARTICULAR
A CASA DA VOVÓ – 1916
MOÇA NO TRIGAL - OST - 65 x 80 cm - c.1916 - COLEÇÃO PARTICULAR
MOÇA NO TRIGAL – c.1916
MEDITANDO - OST - 67 x 54 cm - 1916 - COLEÇÃO PARTICULAR
MEDITANDO – c. 1916
CARRINHO DE CRIANÇA - OST - 65 x 81 cm - c.1917 - MUSEU CASTRO MAIA - CHÁCARA DO CÉU - RIO DE JANEIRO/RJ
CARRINHO DE CRIANÇA – c.1917
A FAMÍLIA DO ARTISTA - OST - 126,5 x 95,0 cm - c.1918 - COLEÇÃO PARTICULAR
A FAMÍLIA DO ARTISTA – c.1918
CRIANÇAS BRINCANDO - OST - 44 x 37 cm - c. 1917 - COLEÇÃO PARTICULAR
CRIANÇAS BRINCANDO – c.1917
CURA DE SOL - OST - 155 x 104 cm - 1919 - MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES - MNBA - RIO DE JANEIRO/RJ
CURA DE SOL – c.1919
NEVE EM SAINT HUBERT - OSM - 26,0 x 33,6 cm - c.1915 - COLEÇÃO PARTICULAR
NEVE EM SAINT HUBERT – c.1915
VITÓRIA DE SAMOTRÁCIA - OST - 181 x 118 cm - 1919 - MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES - MNBA - RIO DE JANEIRO/RJ
VITÓRIA DE SAMOTRÁCIA – 1919
TARDE EM SAINT HUBERT - OST - 95 x 122 cm - c.1917 - COLEÇÃO PARTICULAR
TARDE EM SAINT HUBERT – OST – c.1917