Nessa divisão da carreira de Visconti em períodos, este é o único que se estende por mais de oito anos, pois foi o tempo em que o pintor alternou moradia entre Rio de Janeiro e Paris por duas vezes, em curtas estadas, a procura de estabilidade financeira e familiar. Antes mesmo de terminada a Exposição Universal de Paris, Visconti retorna ao Brasil, em outubro de 1900.
Ele realiza, então, uma exposição para reunir sua obra produzida durante o estágio na Europa, a qual chamou, na capa do catálogo criada por ele, “Exposição E. Visconti –Pintura e Arte Decorativa”. Ela ficou aberta ao público, na ENBA, durante todo o mês de maio de 1901. Seguindo-se os comentários publicados nos jornais da época[1], verifica-se que, embora não tenha realmente sido um fracasso, como se poderia concluir da declaração do próprio Visconti a Angyone Costa, anos depois – “Tudo perdido. Ninguém notou o esforço”[2] –, de fato, a exposição foi muito pouco visitada e se a crítica lhe deu o devido valor, o fez tardiamente.
Os artigos mais longos e assinados só apareceram mais de dez dias após a abertura da exposição. Um desses cronistas frisa que sua segunda visita à mostra tornava mais intensa a boa impressão causada inicialmente, volta a observar os vários tipos de obras e estilos abordados e comenta: “Ve-se que elle tocou em tudo e tudo tentou estudar”[3]. Desde cedo, Visconti revela seu pendor para a pesquisa, sua curiosidade e insatisfação constantes, que foram muitas vezes interpretados como indecisão, aqui considerada normal, para um jovem iniciante, mas que, na verdade, o pintor não abandonou durante toda a sua carreira.
A Gazeta de Noticias só no dia 27 publicou sua crítica, que se inicia assinalando: “A impressão […] é de espanto, pelo pouco que se tem dito e sobretudo pela pouca concurrencia notada na exposição”[4]. Morales de los Rios já havia registrado antes a sua indignação com a ausência dos espectadores, de maneira poética e dramática: “… e em torno da sala suavemente illuminada em que os personagens das télas se entreolham estaticos; nada, ninguem, o vacuo, o silencio…”[5]. Depois de encerrada a mostra, na primeira edição de Don Quixote, após um ano de sua edição suspensa, assinando com suas iniciais – assim como no artigo da Gazeta – o novo colaborador da revista, Renato de Castro, demonstra sua revolta:
Elyseu Visconti, o extraordinario artista, que apresentou uma exposição vasta, poderosa, affirmando uma techinica quasi perfeita, ao serviço de um talento creador, robusto e original, um homem que reune tantas e tão raras qualidades de artista, foi esquecido […]. Elle faz o que compete ao artista: trabalha, com vontade, coragem, sinceridade e talento, muito talento.[6]
Assim era visto Visconti por seus primeiros críticos, logo que voltou do seu estágio na Europa: um pintor talentoso, dedicado e brilhante, que, no entanto, não era devidamente reconhecido “porque não anda na rua do Ouvidor, nem frequenta jornaes”[7]. Na página seguinte da mesma edição de Don Quixote, outro autor comenta a mostra de Visconti, fazendo-lhe também rasgados elogios: “… a mais completa exposição dos modernos tempos no Brasil, com todos os predicados dos grandes e intensos artistas”.[8] Citando algumas de suas principais obras, aponta diversas influências, entre elas: Botticelli, Ghirlandaio, Rossetti e os japoneses.
Porém, uma análise mais profunda das obras, por um crítico de arte mais renomado e experiente, só ocorreu um mês após encerrada a exposição. Em carta ao pintor, datada de 25 de junho de 1901[9], Gonzaga Duque declara-se contrariadíssimo com a demora do jornal O Paiz, em publicar seu artigo sobre a Individual. Na sua crônica, após citar os vários tipos de pinturas apresentadas – estudos, pochades, academias, composições, etc. – o crítico declara sobre o jovem artista recém-chegado de seu pensionato: “Nessas, como n’aquellas, o tóque, a côr e a fórma são d’um mestre”[10]. Esse artigo, que viria a ser o mais citado posteriormente sobre a individual de 1901, não chegou a tempo de incentivar o público à visitação ou os colecionadores à aquisição de obras, os quais, em suma, são dois índices fundamentais para se aquilatar o sucesso alcançado por uma exposição artística. Não foi sem motivo, portanto, que Visconti tivesse, anos depois, declarado sua decepção com o resultado da exposição.
No ano seguinte, várias obras que compunham a Individual foram exibidas também na 9ª EGBA, ao lado de outras pintadas já no Brasil. Nesta ocasião, Visconti recebeu o reconhecimento de seus pares, conquistando a medalha de 1ª classe, pelo quadro Retrato do Sr. Simas (1900), com uma paisagem de Niterói esboçada ao fundo em largas pinceladas, em contraste com o modelado tradicional do rosto; e na Seção de Artes Aplicadas à Indústria, a medalha de prata, pelo conjunto da obra exposta.
No início deste período, Visconti dedicou-se bastante ao retrato, pintando além daquele do Sr. Simas, também o de sua esposa (1902); o do Dr. Ovídio Romeiro (1901) e o da Família Nepomuceno (1902); além de mais dois autorretratos. Mas também criou belas paisagens cariocas, dentre elas: duas do Pão de Açúcar (1901 e 1904), uma do Observatório Nacional (1903) e Vista do Mar (1902).
Em 1903, Visconti montou praticamente a mesma mostra de 1901, em São Paulo, no salão do Banco Construtor. Era a primeira vez que ele lá se apresentava, e os jornais paulistas deram-lhe todo apoio e instavam constantemente com o público para que comparecesse e adquirisse as pinturas. No entanto, após o encerramento da exposição, no dia 4 de abril, quase um mês depois da sua inauguração, os dois principais jornais locais fizeram um balanço bastante criterioso sobre a recepção da mostra:
Não valeram ao laureado artista os louros que lhe conquistaram os seus meritos em tantos annos de vida na arte e pela arte: pouco numerosos foram os visitantes e ainda em menor numero os adquirentes. Um só quadrinho foi vendido […].[11]
É para deplorar-se que uma exposição original e bella como esta tivesse encontrado tão pouca animação do nosso público […] Ainda que tivesse acolhimento intellectual por parte da imprensa, não é isto por si sufficiente, principalmente para um artista como elle é, que na civilizada Paris recebeu honrosa consagração no Salon.[12]
Após mais este sucesso de crítica que, no entanto, também não foi acompanhado de êxito financeiro, Visconti retorna a Paris, em junho de 1904, para lá se reunir à sua companheira dos últimos anos do estágio, a francesa Louise Palombe, e à filha deles Yvonne, que havia nascido em 1901. Antes, porém, enviara algumas obras para a exposição internacional de Louisiana[13], onde conquistou mais três medalhas: uma de ouro, pela pintura Recompensa de São Sebastião; uma de bronze, por trabalhos em aquarela; e uma na categoria especial “Original Objects of Art Workmanship”[14].
Assim que chega a Paris, Visconti volta a praticar na Académie Julian, no atelier de J. P. Laurens e Benjamin Constant quando, provavelmente, criou o Nu Sentado, aquele cujo modelo deixa de lado a naturalidade característica dos seus nus do segundo período, para se mostrar numa pose mais sensual. Um ano depois, recebe a encomenda das primeiras decorações para o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, ainda em construção. Mesmo desenvolvendo um projeto tão ambicioso (pano de boca, friso sobre o proscênio e teto da plateia), Visconti encontrou tempo para continuar trabalhando em pinturas de cavalete.
Expôs ainda, no Salon du Champ de Mars, em 1905, o Retrato de Nicolina Vaz de Assis e o Retrato de Mlle. B. Lindheimer, que foram também enviados, para a 12ª EGBA, no Rio de Janeiro, tendo ambos recebido crítica muito elogiosa, especialmente de Gonzaga Duque. O retrato de Nicolina, no entanto, alcançará um sucesso mais duradouro, sendo inclusive denominado, também, a Gioconda brasileira, “pela mocidade artística”[15]. No mesmo ano, Visconti inicia uma série de paisagens realizadas no Jardim do Luxemburgo, focalizando especialmente mulheres sentadas em cadeiras, as decorações do jardim e o efeito rendilhado da ramagem, projetado pelas sombras das copas das árvores no chão. Desta série de estudos surgirá uma de suas composições mais apreciadas – Maternidade, que será exposta no mesmo Salon, em 1906, ao lado de um de seus estudos. Em 1907, expõe ainda no Champ de Mars mais uma paisagem do Luxemburgo e A carta (1906).
Depois de aprovar, no Rio de Janeiro, seus projetos para o Teatro Municipal, Visconti volta a Paris no início de maio de 1906 e começa a executar os painéis decorativos que serão finalizados no ano seguinte. Segue, então, mais uma vez, para o Brasil, em outubro de 1907, trazendo as grandes telas, que são instaladas entre março e novembro de 1908, completando o trabalho sete meses antes da inauguração do teatro.
Visconti havia sido eleito pelo Conselho da ENBA, como professor de Pintura, em junho de 1906[16], mas só pôde assumir quando voltou ao Brasil, começando a lecionar, efetivamente, em março de 1908. Pode-se vê-lo na ponta da mesa de reuniões do Conselho Escolar, em uma foto publicada por A Illustração Brazileira, num artigo sobre o prédio recém-construído na Avenida Central[17], que abrigava tanto a Escola, quanto a sua Pinacoteca e as exposições anuais.
1908 foi o ano em que Visconti alcançou a estabilidade que vinha construindo para poder trazer Louise e Yvonne, de Paris. Além do magistério, que lhe garantia a segurança de um salário mensal, Visconti mandou construir seu atelier sobre o terreno situado à Rua Mem de Sá, no Rio de Janeiro, próximo aos Arcos da Lapa, adquirido da escultora Nicolina Vaz de Assis. O atelier ficava no segundo pavimento do edifício que tinha, ainda, no primeiro andar, um apartamento, e no térreo, duas salas para alugar. Assim, terminado o ano letivo, Visconti vai a Paris, onde oficializa a união com Louise Palombe, no dia 14 de janeiro de 1909. Voltando em seguida com ela e Yvonne, instala-se com a família no apartamento sob o atelier. Inicia-se então um novo tema para as pinturas de Visconti, provavelmente o mais constante até o final de sua carreira.
Na 15ª EGBA, em 1908, Visconti apresentou diversas obras que trouxe de Paris: aquarelas, óleos – entre eles Maternidade e os estudos para os painéis do Teatro Municipal – e ainda os cartões para essas decorações, num total de 40 desenhos. Porém, a partir do ano seguinte, e até 1912, exibirá ao menos uma pintura retratando sua família, em cada exposição anual. Em 1909, ao lado de duas paisagens, apresenta Louise e Yvonne à sociedade carioca, com um interessante retrato intitulado Minha família, embora elas certamente já tenham servido de modelo para Maternidade.
Mas a inovação não estava apenas na identificação das retratadas. Considerada pelos cronistas da época como de composição exótica e feitura própria, a pintura recebeu do Jornal do Commercio a observação: “A factura é ‘uma novidade’ só estranhavel para quem não souber que o Sr. Visconti não cessa de estudar, de investigar, de variar”. A textura da pele da jovem mãe e da menina foi conseguida com um modelado tradicional, porém Visconti aplicara sobre ele e no restante do retrato, técnica semelhante à dos painéis do teto da sala de espetáculos do Teatro Municipal, baseada no Divisionismo.
No ano seguinte, Visconti muda-se com sua família para uma casa na Ladeira do Barroso (hoje dos Tabajaras), em Copacabana. Exibe na 17ª EGBA, O Beijo, no qual Yvonne cumprimenta a mãe entregando-lhe um ramo de rosas, e Deveres, que revive a estética simbolista, no intenso facho de luz que cai sobre o livro estudado pela pequena. Em 1911, Visconti apresenta, na EGBA, seu segundo filho, Tobias, que nascera no ano anterior, sendo amamentado por Louise, que lê uma revista e mexe o conteúdo de uma xícara, na pintura intitulada Mãe. Na mesma exposição é exibida ainda a Crisálida, de um colorido rico e composição influenciada pelo japonismo, que tem em Yvonne o modelo para a alegoria da adolescência que se inicia. Na ocasião, no entanto, essa extraordinária pintura não causou o impacto que se imagina, a julgar por seu sucesso posterior, sendo louvada e reproduzida diversas vezes. Antes, as crônicas sobre a 18ª EGBA elogiavam o Retrato de Alberto Giffoni, ainda mais que o de Pereira Passos.
Visconti exporia mais uma pintura com o tema da fase de mudanças que sua filha atravessava – Primeira comunhão – em 1912, que no catálogo da EGBA foi chamada A Mensagem. E ainda, com a mesma simbologia, expôs novamente um nu depois de vários anos – Primavera – no qual as rosas que adornam os longos cabelos da menina, também caem aos seus pés e espalham-se no chão, despetaladas, numa clara alusão à perda da inocência. Também na 19ª EGBA, Visconti apresenta o extraordinário Retrato de Gonzaga Duque – o crítico e amigo que havia falecido recentemente – pintado em 1908. Será, ao lado do de Nicolina Vaz de Assis, um dos seus retratos mais comentados.
Neste período, Visconti recebe mais uma encomenda oficial: em 1909, é chamado para executar dois painéis decorativos para o edifício da Biblioteca Nacional, que estava em construção na Av. Central. E ainda segue, nas pinturas de cavalete, retratando as vistas do seu cotidiano – ele não necessita buscar longe o tema para suas paisagens, pois tudo lhe serve de motivo pictórico: Avenida Central (c.1908); Morro do Castelo (1909); Paisagem de Santa Teresa (1910); Ladeira do Barroso (1911); A igrejinha (1912), realizadas em diferentes graus de acabamento, procurando efeitos diversos. Além dessas pinturas, merecem destaque também, outros registros domésticos: Primeiro Retrato de Tobias (1910), Boa Noite (1910/11); Minha esposa e Bolhas de Sabão (1911). Em especial, Pintando com a família (c.1909) que traz uma clara alusão ao quadro Las niñas, de Velásquez, do qual Visconti havia feito cópia de um detalhe, no Museu do Prado.
[1] Para mais detalhes, ver Mirian N. Seraphim. A catalogação da pintura a óleo de Eliseu d’Angelo Visconti. (tese de doutorado) Campinas: Unicamp/ IFCH, 2010, p. 212-226.
[2] Angyone Costa. A inquietação das abelhas. Rio de Janeiro: Pimenta de Melo, 1927.
[3] Exposição E. Visconti. Jornal do Commercio (Notas sobre Arte). Rio de Janeiro, 16 maio 1901, p. 2.
[4] R. de C. De Arte: Exposição Visconti. Gazeta de Noticias. Rio de Janeiro, 27 maio 1901, p. 2.
[5] A. Morales de los Rios. Dois pintores. O Paiz. Rio de Janeiro, 12 maio 1901, p. 2.
[6] R. de C. O que sobra a uns… Don Quixote. Rio de Janeiro, 1º jun 1901, p. 2.
[7] Idem, ibidem.
[8] P. B. A Exposição de Visconti. Don Quixote. Rio de Janeiro, 1º jun 1901, p. 3.
[9] Do acervo Fundo Eliseu Visconti, no MNBA.
[10] Gonzaga Duque. Eliseu Visconti. O Paiz. Rio de Janeiro, 2 jul 1901, p. 1. Artigo reeditado em Contemporâneos, após a morte do autor, em 1929.
[11] Exposição Visconti. Encerramento. Correio Paulistano (Factos Diversos). São Paulo, 5 abr 1903, p. 3.
[12] L. F. Exposição Visconti. O Commercio de São Paulo. São Paulo, 5 abr 1903.
[13] A Louisiana Purchase Exposition, apesar de não ter alcançado a mesma notoriedade que a de Paris, se estendeu de 30 de abril a 1º de dezembro de 1904.
[14] Olga U. Herrera. Toward the preservation of a Heritage: Latin American and Latino Art in the Midwestern United States. 2008, p. 11 e 12. Também a pintura A Convalescente foi exibida nesta mostra, e reproduzida em J. W. Buel (ed.). Louisiana and the fair: An exhibition of the world its people and their achievements. Vol. VII. Saint Louis: Worlds Progress, 1905, p. 2693.
[15] Adalberto Mattos. As nossas trichromias. Illustração Brasileira, Rio de Janeiro, nº 32, abr 1923.
[16] Carta da Légation du Brésil em Paris a Visconti, assinada por Gabriel de Piza, em 22 jun 1906 [Fundo Eliseu Visconti; MNBA].
[17]João do Rio. A nova Escola de Bellas Artes. A Illustração Brazileira. Rio de Janeiro, 1º set 1909, p. 122.