No mesmo período em que executou as pinturas do pano de boca e do plafond sobre a platéia, Eliseu Visconti preparou a decoração do friso sobre o proscênio do Theatro Municipal, ou seja, o friso que seria colocado no alto do arco da boca de cena do teatro. Com um estilo que se harmonizava com as demais decorações, o friso sobre o proscênio representava nus femininos e anjos esvoaçantes, cujo motivo resumia-se às palavras A poesia e o amor afastando a virtude do vício.
Em 1934, obras de reforma no Theatro incluíram o alargamento da boca de cena, sendo Visconti chamado para executar o aumento correspondente no friso sobre o proscênio, que originalmente media quinze metros de comprimento. Após analisar o problema, Visconti decide pela execução de um novo friso, com quatro metros a mais, batizando-o com o título As nove musas recebem as ondas sonoras. Nele utiliza cores que obedecem a uma gradação suave, onde nada destoa, e sobre esses tons em perfeita fusão transparecem as ondas sonoras e as musas, personificadas em belos e sensuais corpos femininos.
Visconti em pessoa, à época com 69 anos, sobe nos andaimes e participa da colocação dos trabalhos do friso, no alto da boca de cena, tarefa totalmente concluída em 13 de fevereiro de 1936. Para a execução do novo friso, Visconti contou com a colaboração de sua filha Yvonne Visconti, de seu futuro genro Henrique Cavalleiro e de seus discípulos Agenor César de Barros e Martinho de Haro.
Levado por Marques Júnior, discípulo e amigo de Visconti, o jornalista Tapajós Gomes visitou Eliseu Visconti quando o artista ainda executava o novo friso em seu atelier da Av. Mem de Sá. Em reportagem publicada no Correio da Manhã, em 15 de dezembro de 1935, o jornalista relataria que o atelier de Visconti era imenso, o maior que já vira, medindo 12 m por 10 m, mas seria ainda pequeno para conter a enorme tela do friso, estendido em curva ao longo de duas paredes adjacentes. E diria sobre a grande tela:
Quem quer que veja as obras (de Visconti) todas juntas no Theatro Municipal não será capaz de supor que, entre as primeiras e a última medeia um intervalo de três décadas! Seremos então forçados a chegar a esta conclusão: ou há trinta anos Visconti se adiantara a si mesmo, trinta anos, ou agora o mestre consagrado recuou trinta anos, para surgir em pleno esplendor de sua mocidade gloriosa.
E prossegue Tapajós Gomes:
Porque o que se verifica na tela de 1935 é a mesma segurança, a mesma nitidez, o mesmo equilíbrio na distribuição de tintas, a mesma perfeição do desenho, a mesma harmoniosa cambiante de cores, a mesma luminosidade sadia e fresca das telas de 1906! Todo o friso obedece a uma gradação maravilhosa de cores, em que predomina a tonalidade azul, do mais claro ao mais carregado, porém, sempre azul e sempre suave, numa pintura absolutamente sólida, mas leve, que impressiona quase como uma carícia para a sensibilidade alheia.
Diante dessa soberba concepção de Visconti, que dentro de poucos dias estará colocada no Theatro Municipal, uma reflexão acode inevitavelmente: o crime de destruir o friso primitivo pode ser felizmente atenuado, porque foi o próprio Visconti quem pintou o que vai substituí-lo.[1]
Mas o crime prenunciado por Tapajós Gomes felizmente não aconteceu. Em 2009, durante as obras de reforma do Theatro Municipal para a festa do seu centenário, é descoberta em um vão, atrás do friso atual, a pintura original do friso sobre o proscênio, preservada, em bom estado de conservação. Os historiadores acreditavam que a pintura fora destruída, ao ser substituída pelo artista em 1936.
NOTAS:
[1] Correio da Manhã – Os nomes Gloriosos da Pintura Brasileira – Elyseu Visconti – Tapajós Gomes – 15 dez 1935.