CR1929A - Carta de Manoel Santiago a Eliseu Visconti, enviada de Paris – 22 de janeiro de 1929

  • Tipo de Documento Correspondências - Após 1920
  • Ano 1929
  • Acervo Museu Nacional de Belas Artes - Rio de Janeiro

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Manoel Santiago, de 1928 a 1932, morou em Paris em gozo da bolsa oferecida pelo governo brasileiro, vencedor que foi do Prêmio Viagem ao Exterior no Salão Nacional de Belas Artes de 1927. Nesta terceira carta que remete da capital francesa para Visconti, Santiago tece considerações sobre as inovações que encontra no ambiente artístico parisiense e critica formas mais acadêmicas de pintura, chegando mesmo a renegar os próprios trabalhos que fizera.
Diz não poder aceitar o convite de Visconti para mandar alguma obra sua para o Salão no Brasil e novamente menciona as constantes visitas a Madame Dampt. As quatro páginas da carta estão transcritas a seguir.

Paris – 22 – 1 – 1929

Meu caro professor Visconti.

Muitas saudades.
Accuso o recebimento de sua prezada carta, cheia do seu bom coração, trazendo-nos notícias de todos de sua distincta Familia.
Nós aqui passamos muito bem de saúde. O inverno este ano tem sido admirável e a temperatura ainda não baixou a zero, a Mamãe e Haydea estão muito contentes.
O Snr. tem razão quando fala do nosso meio d’ahi, é por isto que vou seguindo os seus admiráveis conselhos  “_comendo pão e queijo para não voltar tão cedo”. Realmente agora é que estamos começando a aproveitar do ambiente artístico d’aqui; quando se chega vê-se tanta cousa bôa e tantos museus que trava-se no espírito da gente uma verdadeira confusão. Lucta de cousas aprendidas no nosso meio d’ahi contra o novo ambiente.
Eu estou hoje tão capacitado desta verdade que destrui todos os quadros e a maior parte dos meus estudos de academia que fiz quando aqui cheguei. Achei-os falsos, sabios e litterarios. A qualidade de pintura que devia ser essencial estava quasi sempre encoberta por um banal sentimento poetico  litterario ou perdida dentro de uma preocupação de desenho, mas um desenho mesquinho – academico photographico, como a visão de certos artistas d’ahi. E nós ainda fomos muito felizes, porque tivemos um excellente professor como o Sr. A verdade deve ser dita.
Acho muito pouco dois annos de permanencia aqui, a avaliar por mim. Penso que os outros collegas que estiveram menos de dois annos deviam ter sentido tambem este soffrimento que a Arte nos traz.
Há alguns aqui que não estudam e limitam-se a visitar os museus. Não querem ouvir conselhos e não tem curiosidade de frequentar uma academia para vêr o que se está fazendo hoje. Continuam cheios das mesmas falsas theorias.
Aqui, quando um artista não quer estudar faz-se futurista. Abriu-se o Salão dos Independentes. Verdadeira palhaçada. Salva-se uma ou outra cousa com qualidade de pintura. Não compreendo porque esta gente continua a achar belleza nas attitudes imoraes e deformadas. O quadro célebre é um auto-retrato: um homem com a palheta na mão, completamente nú, horrivelmente pintado, com os cabellos do proprio artista pregados nos respectivos logares. Escandalo! A policia mandou retirar do Salão… Conseguio o que pretendia – ser falado e attrahir milhares de curiosos.
Agradecemos de coração a lembrança de convidar-nos a expor no Salão d’ahi. Faremos o que for possível. Ainda não fiz nada em condições para o Salão daqui, passei todo o tempo a estudar, penso que não exporei este ano.
Nas considerações que faço talvez haja exagero de minha parte, porém o meu bom professor me desculpará. Precisamos conversar pessoalmente, ouvir os seus conselhos, porém a distancia não permitte.
Vou transmitir ao casal […] e Madame Dampt as suas lembranças. Aos domingos vamos sempre em casa de Madame Dampt, ella é sempre gentil e bôa.
Muitas saudades de Mamãe, Haydéa e minhas a sua distincta família.
Abraços do discipulo grato e amigo certo e admirador
Santiago.

P.S. Segue junto umas photographias que Haydéa manda para D. Yvonne.

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