CR1899A - Carta de Félix Bernardelli a Eliseu Visconti, enviada do México – 29 de maio de 1899

  • Tipo de Documento Correspondências - Até 1900
  • Ano 1899
  • Acervo Projeto Eliseu Visconti

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Félix Bernardelli e Eliseu Visconti aprofundaram a amizade em Paris, no período inicial da bolsa de estudos de Visconti. A análise desta carta e de outra encaminhada por Félix em 1906 [CR1906K] mostra que os dois artistas não deixaram de se corresponder pelo menos ao longo dos 11 anos em que estiveram longe fisicamente. E nessas cartas o texto de Bernardelli é pródigo em demonstrações de intimidade que só se conquista após uma forte amizade. Inicia demonstrando satisfação por Visconti ter permanecido em Paris mesmo tendo encerrado o período da bolsa de estudos e manifesta a opinião de que Visconti deveria permanecer em Paris. Menciona as duas mães de Visconti, com certeza referindo-se à Baronesa de Guararema, falecida em janeiro daquele ano de 1899. Sugere que Visconti deveria agir como Belmiro de Almeida e Pedro Weingartner: viver em Paris e vender o peixe no Rio. Cita o escultor francês Jean Dampt com o apelido de “João Cabeleira”, que havia se casado com Diana Cid Garcia, artista argentina amiga de Visconti e de outros brasileiros que estiveram em Paris no final do século XIX. Diana foi uma das primeiras artistas latino-americanas expondo com regularidade no Brasil. Após o casamento com Jean Dampt fixou residência em Paris. E Félix Bernardelli afinal revela o motivo principal de sua carta a Visconti, dando-lhe a grande notícia do seu próprio casamento. Faz um pedido inusitado a Visconti, pedindo-lhe que compre no Bon Marché de Paris um vestido de casamento para sua noiva, se Diana não puder fazê-lo. Félix se casaria em setembro de 1899 com Concepción Sanchez Aldana e da união nasceram duas meninas, Margarita e Silvia Bernardelli.
Esta carta não apresenta despedidas, pois foi encaminhada duas semanas depois junto a uma segunda carta, datada do dia 12 do mês seguinte [CR1899B].  As duas cartas foram encontradas arquivadas no mesmo envelope e, na carta de 12 de junho, Félix Bernardelli explicará que demorou a encaminhar esta primeira carta porque estava tentando enviar junto um cheque de 200 francos para pagar o vestido de noiva. A carta de 29 de maio está transcrita a seguir.

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Guadalajara Maio 29 – 99 –

Meu caro Elyseu

Recebi ontem com agradável surpresa tua carta de 10 do corrente. Estava precisamente escrevendo-lhe a Diana e lhe dizia que não me lembrava do teu adresse e que desconfiava que já estivesses pelo Rio e agora que sei que ainda estás nessa cidade luminosa tenho muito gosto.
Já te respondi acusando recepção dos livros que me mandaste; quem sabe porque não receberia? Pois os livros chegaram perfeitamente.
Os catálogos de que me falas em esta tua última ainda não chegaram mas suponho que não hão de tardar.
Quanto estimo saber que permaneceste em Paris apesar de já não teres pensão.
É bem certo que tu merecerias (mais que muitos outros) prolongação da pensão mas como bem dizes não tens o caráter apropriado para saber viver! Contudo creio meu Visconti que com teu mérito artístico bem poderias ficar ali naquele centro porque no Rio é mais ainda indispensável ter manha do que talento e seguramente vais passar por muitos dissabores sem ter as vantagens de Paris.
Como eu encaro hoje as coisas e a vida, no teu lugar preferiria ficar ali modestamente a ir tentar fortuna no Rio!
Por fim sempre não foste ver a tua velha na Itália? Sinto por ambos e sobretudo por ti que deixaste de ver as tuas duas mães!!
Pag. 4Com que o Belo miro descobriu a pedra filosofal de viver em Paris e vender seu peixe no Rio. Isto é o mesmo o que fez nosso Pedro Weingartner e que tu deves também tentar imitar.
Como terá vivido o Capitão? Pode ser que seja o ajudante geral do Bonnat. Sempre continua com aquela rapariga?
Homem, o que me contaste do Lopez Rodrigues me deu muita pena, coitadinha da amiga! Tão amável que era e alegre apesar da doença do coração que tinha. Sempre que uma pessoa se suicida a compadeço e admiro porque deve haver sofrido muito para resolver a sua própria destruição e ao mesmo tempo se necessita muito valor para decidir-se.
Não me tens dito nada de nossa amiga Diana que segundo soube por cartas do Rio, sempre se casou com o João Cabeleira. Eu acabo de dirigir-lhe uma carta e como poderia dar-se o caso que não se achasse presentemente em Paris te peço que por mim lhe peças uma visita e lhe digas que acabo de escrever-lhe, ao mesmo tempo que a ti e se por acaso ela não está, então a ti te dou a massada que a ela destinava a qual é nada menos que (prepara-te para surpresa!): que me encarques no Bom Marché um vestido de seda para noiva !! com todos seus competentes detalhes como: véu, luvas, meias e sapatos. Naturalmente para Diana isto é muito mais fácil ela entende bem disso, ah! Mas deixa dizer-te primeiro que vou casar-me. Faço ideia que vais resmungar muita coisa… mas se estivesses aqui fazias o mesmo sobretudo encontrando uma rapariga como esta minha que vale todos os sacrifícios.
Pag. 5Pois de verdade meu velho na minha última te disse que não te admirasses se tal notícia te chegasse, mas como creio que não recebestes a minha última na qual te acusava recepção dos livros que me mandastes por isso agora recebes a surpresa de um golpe.
Sim senhor! Se não suceder alguma de estas coisas imprevistas que chamamos força-maior tão depressa chegue este vestido de noiva pretendo passar por todas essas maçadas que nossa sociedade exige para que a gente possa viver com a mulher que se escolhe para companheira de vida.
Vou preparando tudo para que quando chegue o traje já estejamos em vésperas.