CR1896H - Carta de Rodolpho Amoedo a Eliseu Visconti opinando sobre as obras enviadas de Paris – 1 de janeiro de 1896

  • Tipo de Documento Correspondências - Até 1900
  • Ano 1896
  • Acervo Museu Nacional de Belas Artes - Rio de Janeiro

Rodolpho Amoedo, nesta carta, opina sobre as obras encaminhadas de Paris por Eliseu Visconti, que teriam sido enviadas para figurarem  na Exposição Geral de Belas Artes. No entanto as obras não chegaram a tempo de participarem da Exposição Geral, inaugurada em setembro de 1895, tendo sido expostas na exposição dos alunos realizada em dezembro. Na avaliação do professor, Visconti apresenta em seus trabalhos de pensionista uma facilidade na pintura nem sempre aliada a um desenho correto. Boa parte das obras de Visconti expostas na exposição dos alunos de 1895 e avaliadas nesta carta por Rodolpho Amoêdo foram relacionadas em duas correspondências do artista, as [CR1895E] e [CR1895F], ambas datadas de 3 de julho de 1895.

A coluna “Notas sobre Arte” do Jornal do Commercio de 29 de novembro de 1895, comentou sobre nove obras de Visconti integrantes da exposição de alunos de 1895 (http://memoria.bn.br/DocReader/364568_08/19430), auxiliando na identificação das seguintes obras:  “Comungantes” [P972], “Retrato do Maestro Alberto Nepomuceno” [P229], “Velho sentado” [P335]“Nu feminino de costas” [P306]e “Dorso de mulher” [P352]. Além dessas, foram provavelmente apresentadas na exposição dos alunos outras três obras: “Primavera” [P427], “Risonha” [P267] e “Homem com gorro vermelho” [P557]. Na 3ª Exposição Geral de Belas Artes, realizada em setembro de 1896, Visconti reapresentaria algumas pinturas mostradas na exposição dos alunos de 1895.

Mais detalhes da avaliação de Rodolpho Amoedo para as obras de Visconti estão na carta do professor transcrita a seguir. 

 

pag. 2

Rio 1 de Janeiro de 1896

                                                     Amigo Visconti

Recebi a sua amável cartinha dando-me as boas festas o que muito lhe agradeço. Os seus trabalhos que não puderam chegar a tempo de figurar na última Exposição Geral saíram contudo a tempo de figurar na última exposição de alunos que teve lugar no mês próximo findo onde foram devidamente apreciados.

Pede-me o amigo a minha pouca valiosa opinião a respeito e para satisfazê-lo vou dizer-lhe com franqueza, segundo meu costume, o que penso e desde já lhe peço que me desculpe o desembaraço.

Acho muito progresso em tudo quanto nos enviou progresso que eu sempre esperei do seu talento e infatigável assiduidade ao trabalho. Permita-me entretanto dizer-lhe que a sua facilidade de pintar nem sempre está aliada a um desenho correto, sobretudo no que respeita à construção. Faço esta observação porque julgo que hoje o meio de bem desenhar como o de pintar está por demais divulgado não só entre os artistas como até no público para que não se possa mais admitir, senão por condescendência, artistas com a denominação de coloristas ou de desenhadores. Denominações que estiveram em moda quando os processos da pintura não permitiam aos artistas ocuparem-se de bem colorir como de bem desenhar aplicando-lhe os modernos preceitos da ciência juntos a uma fiel observação da natureza.

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A arte da pintura, como o amigo deve saber tão bem como eu, é um conjunto em que a forma está de tal maneira aliada a cor que se pode dizer sem receio de errar que quando a cor é justa justo também é o modelado visto que hoje os artistas não podem mais agradar pintando por desenhos em vez de pintar diretamente do modelo vivo. Mas se o modelado está tão intimamente ligado à cor, que se pode dizer que quando a cor é justa, justo é também o modelado, isto é, o relativo relevo de cada uma das partes. Outro tanto não se pode dizer do contorno ou limite da forma sobre o fundo ou sobre uma outra forma que lhe sirva de fundo.
Do nosso amigo Frederico notei a mão cinza nos trabalhos desenhados que nos enviou.

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O amigo com a bagagem que já possui pode orgulhar-se de ser um artista, contudo o grande desejo que tenho de vê-lo tão seguro dos processos de nossa arte, quanto seja possível, inspirou-me esta ligeira observação, em que me arrisco a passar por um indivíduo que se aproveita de uma ocasião para pontificar. Anima-me a certeza de que o amigo conhece-me bastante para não fazer a cerca do que lhe digo um tal juízo.

Felicitando-o sinceramente pelas suas conquistas e desejando-lhe felizes festas e iguais entradas de ano bom aqui fico ao seu dispor.

                        Seu amigo e colega Obrigadíssimo

                                      Rodolpho Amoêdo