1929-1936 – Prestígio (Rio-Teresópolis)

MINHA CASA DE CAMPO - TERESÓPOLIS - OST - 51 x 61 cm - 1929 - COLEÇÃO PARTICULAR
MINHA CASA DE CAMPO – TERESÓPOLIS – 1929

Minha Casa de Campo, que, apesar de não ser datada, está registrada na biografia de Frederico Barata como de 1929, marca o início de uma fase com novo tema para a pintura de Visconti, que ganhará cada vez mais presença e força em sua produção. A tela retrata diversas pessoas reunidas na lateral da casa de Teresópolis e seu jardim, ainda em formação. Ao fundo aparecem o morro imponente e as grandes árvores que terão presença constante nas inúmeras cenas ao redor desta casa. Da mesma forma, Manhã de Teresópolis mostra as plantas próximas ao portão azul da entrada ainda em crescimento e também narra, com maestria, o antigo e quase esquecido costume da conversa por sobre o muro, protagonizado por Louise.

São desse período algumas cenas de gênero de encantadora beleza, nas quais Visconti traduz os efeitos da decomposição da luz solar na atmosfera, salientando as flores vermelhas do seu jardim, em primeiro plano, com fatura bastante pastosa, que vai diluindo gradativamente, até a vaporização dos morros e matas distantes, da paisagem de Teresópolis. Dentre elas podem ser contadas: Na Alameda, que reúne toda a família num caminho ladeado de arbustos com a casa ao fundo; O Batismo da Boneca (assim intitulada na biografia de Barata, mas que na verdade representa apenas um piquenique infantil[1]); ou Três Meninas no Jardim.

DEDO DE DEUS - OSM - 28 x 35 cm - c.1930 - COLEÇÃO PARTICULAR
DEDO DE DEUS – c.1930

E também algumas das raras paisagens de Visconti em que não se distingue sequer um pequeno vulto humano, como Folhagens de Teresópolis e Raios de Sol, na qual o efeito atmosférico tinge a vegetação exuberante do mesmo tom azul do portão da casa. Visconti registra ainda diversas vistas da Serra dos Órgãos, com os contornos do morro Dedo de Deus contra o céu, provavelmente estudos para a inclusão desta paisagem ao fundo do novo friso sobre o proscênio do Teatro Municipal, que lhe foi encomendado, devido ao alargamento da boca de cena ocorrido em 1934.

Porém, neste período, Visconti não se limitou a aproveitar o fruto merecido do seu trabalho, em Teresópolis, considerada por ele um paraíso ainda intocável, quando já se desiludira com Copacabana que, recebendo muitos prédios altos, não lhe proporcionava mais, como antes, a vista do mar a partir da sua própria residência. Visconti terá agora um papel importante como incentivador da EGBA, da qual ele participara desde a primeira edição, em 1894, e só se ausentara, raramente, quando impossibilitado.

Desde que voltou definitivamente para o Brasil, Visconti se faz presente em todas as exposições anuais do Rio de Janeiro, com uma única exceção: em 1931, naquele que ficou conhecido como Salão Revolucionário. O Conselho Superior de Belas Artes havia sido dissolvido no final de 1930, e ao novo diretor nomeado para a Escola, Lúcio Costa, coube também a incumbência de organizar a EGBA. O Ministro da Educação apresentou seu pedido de demissão no dia da inauguração da mesma, em 1931, e o diretor da ENBA, pouco mais de duas semanas depois. Também por causa da Revolução Constitucionalista, no ano seguinte ocorreu a primeira interrupção nas mostras anuais da era Republicana. Enquanto isso, os artistas cariocas instaram com o Governo Provisório para restabelecer o Conselho, o que aconteceu por decreto de 6 de julho de 1933, mudando o nome do mesmo, para Conselho Nacional de Belas Artes.

FOLHAGENS DE TERESÓPOLIS - OST - 39 x 99 cm - c.1935 - COLEÇÃO PARTICULAR
FOLHAGENS DE TERESÓPOLIS – c.1935

Visconti certamente trabalhou bastante por esta causa e pelo retorno da concessão, suspensa no “Salão Revolucionário”, das medalhas e prêmio de viagem, emprestando à luta dos artistas todo o seu prestígio, alcançado em tantos anos de dedicação ao trabalho. Ele já vinha participando ativamente da organização dessas mostras: como membro da comissão organizadora, em 1911 e 1927, e dos júris de diversas seções de 1926 a 1930, mas agora seu apoio é determinante. Na reunião do Conselho que homenageava o atual Ministro da Educação pela aprovação do novo regulamento das exposições anuais – que agora passavam a se chamar oficialmente Salão Nacional de Belas Artes (SNBA) – Visconti se sentava à direita do Ministro[2]. A partir de então, o velho mestre se torna ainda mais atuante: Em 1935 e 1936 ele integra o júri da seção de Pintura, sempre eleito pelo Conselho; em 1934 e 1938, o júri de Arte Decorativa; e é membro da Comissão Organizadora do SNBA por quatro anos seguidos – de 1934 a 1937, ao lado de colegas, em geral, muito mais jovens. Procuravam várias estratégias para revitalizar o salão, inclusive suspendendo a cobrança da entrada, na esperança de aumentar a frequência dos visitantes. Nesses anos de muitas críticas ferozes ao evento, há sempre a menção de obras ainda louváveis, e Visconti sempre encabeça esta lista, seguido de seus principais discípulos: Henrique Cavalleiro, Marques Junior, Manoel Santiago.

MINHA FILHA YVONNE - OST - 65 x 82 cm - c.1929 - COLEÇÃO PARTICULAR
MINHA FILHA YVONNE – c.1929

Ainda no ano de 1929, Visconti realiza o impressionante retrato de sua filha Yvonne em traje de inverno, que foi exibido na 36ª EGBA, como pode ser visto na reprodução da primeira página do jornal O Paiz, de 11 de agosto de 1929. Apesar disso, está inscrita sobre o retrato, a data 1933, provavelmente acrescentada para a apresentação da pintura na International Exhibition of Painting, no Carnegie Institute, Pittsburgh, USA, em 1935. Neste período, Visconti realizou ainda vários retratos de sua família, dentre eles, um em grupo, intitulado A Casa, que participou da 37ª EGBA, em 1930, e foi reproduzido no Suplemento do Correio da Manhã[3], sendo esta a única imagem completa que se conhece da pintura. Nela a família está unida por uma espécie de corrente formada pelas mãos de uns que tocam os outros, porém, em algum momento e por motivo desconhecido, a tela foi dividida em três partes, sendo que duas delas participaram de modo independente da Retrospectiva histórica, realizada pelo MNBA, em 1949: Mãe e filho (retrato de Louise e Afonso) e Meditação (retrato de Tobias).

Outros retratos que merecem destaque: o de Jorge de Souza Freitas, o proprietário da Galeria Jorge onde o pintor havia exposto em 1920; e de José da Silva Brandão, membro do Conselho Municipal do Rio de Janeiro, de 1917 a 1922, em dois mandatos consecutivos, em cuja segunda gestão Visconti recebeu a encomenda da decoração para o vestíbulo do novo prédio do Conselho.

ILUSÕES PERDIDAS - OST - 156 x 98 cm - c.1933 - COLEÇÃO PARTICULAR
ILUSÕES PERDIDAS – OST – 156 x 98 cm – c.1933

Também vários autorretratos interessantíssimos Visconti realizou nesses anos, começando com aquele datado de 1929, em que novamente ele sorri com os olhos, já com a barba totalmente branca e a gravata borboleta que será bem constante daqui para frente. Depois, o mais impressionante de todos, em grande formato, chamado Ilusões Perdidas, no qual, retornando à inspiração simbolista, Visconti representa na névoa que sai de sua palheta, as formas femininas nuas que povoaram seus quadros nos períodos iniciais de sua carreira. Ele volta seu rosto em direção ao céu e, com os olhos fechados e um leve sorriso, deleita-se com suas recordações, que lhe servem ainda de Inspiração (título original do autorretrato). Entretanto, ainda outro é também bastante significativo. Visconti teria sofrido uma paralisia de nervos faciais, poucas vezes mencionada. Porém, num autorretrato datado de 1934, o pintor se apresenta com a boca aberta, como em nenhum outro, e o olho esquerdo com a pálpebra bastante caída. Apesar disso, a gravata borboleta e os óculos redondos demonstram que ele mantinha a elegância de sempre. Um comovente comentário na imprensa permite identificar este pequeno quadro, que foi exibido no 41° SNBA, como Retrato (cabeça de expressão):

Em suas faces macillentas, marcadas já pela edade avançada, ha um rythmo de dôr. Interpreta o pintor sua propria mascara.

E o seu rosto, na contracção dolorosa da molestia que o sacrifica, nos parece lindo, porque fixa mais que o soffrimento, a eternização de uma Arte, que os quasi setenta annos não destróem!

Ah! o pintor não sabe dar vida sómente á paizagem verde e alegre dos nossos campos, a harmoniosa ondulação das nossas aguas, a carnação clara e inebriante dos seus modelos. Elyseu Visconti dá majestade e belleza á dôr, a sua propria dôr.[4]

É impressionante imaginar a vitalidade de Visconti que, em 1934, então com 68 anos de idade, inicia um curso de extensão universitária de Artes Decorativas, anexo à Escola Politécnica do Rio de Janeiro, aceita realizar novo painel para decorar o alto do proscênio do Teatro Municipal, no qual trabalhará até 1936, sofre a paralisia facial nesse período, e ainda atua nas comissões organizadoras e júris dos Salões, sem deixar cair sua produção de pinturas de cavalete!

[1] Possivelmente, a pintura Merenda exibida na 39ª EGBA de 1933, e no 1º Salão Paulista de Bellas Artes, em 1934.

[2] A reunião, hontem, do Conselho Nacional de Bellas Artes. A homenagem prestada ao Ministro da Educação e Saúde Publica. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 27 ago 1933, p. 5. E na foto da inauguração do salão Visconti aparece bem à frente, ao lado do ajudante de ordens, representante do chefe do Governo Provisório: Realizou-se hontem o “vernissage” do “Salão de 1933”. Correio de Manhã. Rio de Janeiro, 13 ago 1933, p. 3.

[3] Salão Official 1930. Suplemento Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 10 ago 1930, p. 1.

[4] Terra de Senna. XLI Salão de Bellas Artes. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 18 ago 1935, Supplemento, p. 1.

MANHÃ DE TERESÓPOLIS - OST - 58 x 48 cm - c.1930 - COLEÇÃO PARTICULAR
MANHÃ DE TERESÓPOLIS – c.1930
O BATISMO DA BONECA - OST - 96 x 87 cm - c.1933 - COLEÇÃO PARTICULAR
O BATISMO DA BONECA – c.1933
AUTORRETRATO - OST - 40 x 50 cm - 1929 - COLEÇÃO PARTICULAR
AUTORRETRATO – 1929
NA ALAMEDA - OST - 121 x 104 cm - 1931 - COLEÇÃO PARTICULAR
NA ALAMEDA – 1931
LATADA DE CHUCHU - OST - 61 x 90 cm - c.1930 - COLEÇÃO PARTICULAR
LATADA DE CHUCHU – c.1930
RAIOS DE SOL - OST - 80 x 60 cm - 1935 - COLEÇÃO PARTICULAR
RAIOS DE SOL – 1935
RETRATOS DE FAMÍLIA - OSM - 30 x 45 cm - c.1935 - COLEÇÃO PARTICULAR
RETRATOS DE FAMÍLIA – c.1935
AUTORRETRATO - OSM - 35,0 x 26,0 cm - 1934 - COLEÇÃO PARTICULAR
AUTORRETRATO – 1934
OLHAR DE MENINA - OST - 85 x 51 cm - c.1935 - COLEÇÃO PARTICULAR
OLHAR DE MENINA – c.1935