Enquanto Visconti esteve na Europa, foram outorgadas as primeiras Medalhas de Honra da EGBA[1], a consagração oficial aos artistas brasileiros. De acordo com o regimento daquelas exposições anuais, publicado em 1895, o prêmio para a Medalha de Honra, em dinheiro, teria mais de três vezes o valor da Medalha de Primeira Classe, e para que aquela fosse conferida, teria que ser votada por todos os premiados em exposições anteriores, exceto os estrangeiros; e deveria alcançar dois terços do votante, mesmo no terceiro escrutínio.
Tendo acabado de chegar da Europa, é provável que Visconti não contasse com a mesma simpatia anterior, de seus colegas medalhados, na sua grande maioria, antigos ou atuais alunos e professores da ENBA, que certamente já haviam tomado conhecimento dos reais motivos de seu afastamento. E talvez este fato pudesse explicar a baixa votação que obteve Visconti, entre seus pares, para a Medalha de Honra, em 1920, quando era considerado pela crítica seu candidato natural. Foram cinco votos, contra quinze dados a Lucilio de Albuquerque, que a conquistou naquele ano, e julgou o fato “pura bondade” para consigo e “grave injustiça” para com o ilustre Visconti[2]. Também deve ser considerado, que muitos de seus colegas ficavam enciumados pelas grandes encomendas oficiais que Visconti recebia, e apontavam como justificativa às suas queixas, que ele seria estrangeiro, o que muito o aborrecia.
Em 1921, a votação para a Medalha de Honra ficou tecnicamente empatada, em terceiro escrutínio, com treze votos para Parreiras e doze para Visconti. No entanto, a crítica havia declarado este último o “triunfador do salão”, tanto pelo grande número de trabalhos expostos quanto por sua qualidade[3], enquanto seu concorrente foi recebido com restrito ou nenhum entusiasmo. Assim, neste ano a medalha não foi conferida a ninguém, e somente no ano seguinte, Visconti conquistou o prêmio máximo outorgado pela EGBA. Em ata foram registrados 17 votos para Visconti, cinco para Pedro Alexandrino e três para Parreiras[4]. Se, nos anos anteriores, certa má vontade por parte dos artistas medalhados – quer pelas encomendas oficiais que Visconti recebera mesmo não sendo brasileiro nato, quer por ter deixando a ENBA quando havia acabado de ser reeleito – impediu que o mestre recebesse a Medalha de Honra, em 1922 essa má vontade certamente já havia arrefecido.
Visconti, como expositor, foi sempre um estrategista. Frequentemente apresentava seus trabalhos de fatura mais tradicional lado a lado com os mais ousados para a época. Desta forma, conseguiu sempre – por ser talentoso e excepcional em ambos – o elogio e respeito de toda a crítica, contemporânea e posterior. Geralmente, os comentaristas da EGBA preferiam as pinturas de fatura mais lisa e cores mais escuras, praticamente ignorando as de colorido mais vibrante e técnicas modernas. Assim como já havia acontecido em anos anteriores, também em 1921 foi manifesta a preferência por Grupo de retratos, que representa toda a família em trajes de inverno e predominância de tons castanhos, ficando a pintura Amigos inseparáveis, que retrata Tobias e Afonso em rico colorido e textura encorpada, quase esquecida. Ou pelo tríptico O Lar, que narra o restabelecimento de Tobias doente, enquanto O colar nem foi citado, em 1922, apesar de sua magnífica explosão de cor em técnica divisionista, aplicada desta vez também sobre o rosto de Yvonne.
Além das obras mencionadas, Visconti apresentou também, na EGBA de 1921 e de 1922, várias outras obras, incluindo estudos e projetos pintados e desenhados. Nos catálogos de cada uma delas, consta ainda uma pintura intitulada Roupa estendida, tema absoluto na obra de Visconti, desde antes do seu estágio em Paris e até o último período de sua carreira. Uma dessas pinturas registradas nos catálogos deve ser aquela que aparece em uma foto sua no atelier da Ladeira dos Tabajaras, de 1926; e a outra pode ser uma anteriormente considerada da década de 1940. A presença do muro ao fundo da cena e o ângulo acentuado de cima pra baixo, faz crer que seja uma vista do atelier do pintor, e uma crônica de Fléxa Ribeiro sugere a hipótese da datação, apesar da presença de outras pinturas na mesma mostra, que também se encaixam na análise:
A qualidade primaz, dominante, em qualquer obra do Sr. Visconti, de qualquer época, e não importa que factura, – é o relampago de que ha ali um pintor e um artista. […] Nestes envios do “Salão” o que se evidencia é o seu néo-impressionismo, isto é, o attento e cuidado estudo das sombras luminosas e das cores e reflexos ao ar livre. O Sr. Visconti é, emfim, e de modo synthetico, um impressionista. O mundo é uma symphonia de côres. Nenhum outro pintor brasileiro, creio eu, já melhor comprehendeu o problema do arlivrismo, como elle.[5]
Neste período, Visconti realizou vários outros retratos da família – Afetos; quatro retratos da esposa Louise; um do filho Afonso aos sete anos (1922); do irmão Afonso (1926); do filho Tobias (c.1927); da irmã Anunciata (1927); além de alguns autorretratos, dentre os quais, aquele com chapéu, em que o pintor sorri com os olhos. É, ainda, provavelmente deste período o Retrato do escultor Zacco Paraná, que realizou o busto do pintor em 1931. Na paisagem, Visconti se ocupa principalmente das cenas que avista do seu atelier na Mem de Sá – Arcos da Lapa (c.1925); três versões da Igreja de Santa Teresa; Pombos do meu atelier (1927); Revoada de pombos, Morro de Santo Antonio –, ou de arredores de sua residência em Copacabana – Rua de Santa Clara; Baixada de Vila Rica (1924); Ladeira dos Tabajaras; Copacabana – e Ipanema (1927), uma rara tomada da praia, mas que ainda tem os morros ao fundo como presença soberana, confirmando a predileção de Visconti por estes. Ainda realizou cenas de gênero ambientadas no seu jardim ou à frente da casa: duas intituladas A visita (1927 e 1928), sendo a segunda bem diante do portão; Garotos da Ladeira e A caminho da escola, ambas retratando as crianças da vizinhança que se reuniam para brincar ou estudar.
Visconti volta a receber novas encomendas para edifícios públicos. A primeira foi para a decoração do vestíbulo do novo prédio do Conselho Municipal do Rio de Janeiro (Palácio Pedro Ernesto) que começou a ser construído em 1920 – um grande tríptico com o tema Deveres da Cidade, finalizado em 1923. A consagração oficial que se somou à da crítica, já mais antiga, estende-lhe os contatos, e foi também chamado para realizar dois retratos para a galeria dos ex-presidentes, do salão principal da nova sede da Associação Comercial de Santos/SP, construída em 1924.
Por fim, foi ainda contratado para realizar um painel para o edifício da Câmara dos Deputados (Palácio Tiradentes), para o qual existem dois esboços datados de 1925, bastante diferentes, pois o primeiro não foi aceito pela comissão construtora, que rejeitou a presença de mulheres na cena (alegoria e assistência). Assim, Visconti teve que abandonar sua criação original e, para atender às exigências da comissão, não só trocou o tema como acabou também substituindo o rico colorido do segundo esboço, para proceder ao retrato coletivo, em tamanho natural, dos 63 constituintes de 1891, todo em tons de sépia.
Para cuidar de sua família, dando a ela o conforto que merecia, Visconti, ainda que decorador já consagrado, submeteu-se a deixar de lado seu gosto pessoal, mostrando mais uma vez que era excelente retratista e talentoso também no modelado e colorido tradicionais, num enorme esforço que lhe rendeu a aquisição do paraíso da sua velhice – em 1927, ele começava a construir uma casa em Teresópolis, à Avenida Delfim Moreira, também para cuidar da saúde de sua filha.
[1] Em 1915, ao paisagista João Baptista da Costa; em 1916, ao professor de Visconti, Henrique Bernardelli; em 1917, ao seu outro professor de pintura, Rodolpho Amoedo; em 1918, ao escultor José Octavio Correa Lima; e em 1919, ao gravador de medalhas Augusto Girardet.
[2] A “medalha de honra” do salão foi conferida ao professor Lucilio de Albuquerque. O Jornal (Bellas-Artes). Rio de Janeiro 26 ago 1920, p. 3.
[3] O “vernissage” da exposição geral deste anno. O Jornal (Bellas-Artes). Rio de Janeiro 12 ago 1921, p. 3. Adalberto Mattos. O Salão de 1921. Illustração Brasileira, Anno 8, nº 12, ago 1921. Mario da Silva. Impressões sobre o salão deste anno – A pintura. O Jornal (Bellas-Artes). Rio de Janeiro 18 ago 1921, p. 3. XXVIII Exposição Geral de Bellas Artes. Jornal do Commercio (Notas de Arte). Rio de Janeiro 19 ago 1921, p. 6.
[4] Livro de registro das Atas do Conselho Superior de Bellas Artes, folha 40 verso. Acervo Arquivológico do Museu Dom João VI, Notação 6161.
[5] Fléxa Ribeiro. As Bellas-Artes Na Exposição. III – Arte Contemporanea: Pintura. O Paiz. Rio de Janeiro, 4 dez 1922, p. 1.