1885-1892 – Formação (Brasil)

Apesar do jovem Eliseu Visconti frequentar o Liceu de Artes e Ofícios, no Rio de Janeiro, desde 1883, recebendo ali várias medalhas de bronze e prata em Desenho de Ornatos e Escultura, consideramos sua carreira de pintor a partir de seu ingresso na Academia Imperial das Belas Artes, em 1885, primeiramente como amador e, a partir de novembro, como aluno matriculado. Sempre aliando dedicação ao seu talento natural, ele segue recebendo, também na AIBA, diversas premiações em Desenho Figurado; Modelo Vivo; Anatomia; Pintura de Paisagem e Pintura Histórica. Por ocasião da grande naturalização decretada pela República do Brasil, em 1889, faz-se brasileiro por direito.

Suas paisagens produzidas nessa época já chamavam a atenção dos comentaristas, e em janeiro de 1890, foi destacado em duas ocasiões. Comentando a exposição de trabalhos dos alunos da Academia, depois de execrar o que encontrou nas salas de desenho e pintura de figura, Teixeira da Rocha expressa sua grande surpresa na sala de Paisagem:

Achámos verdadeiramente admiraveis os estudos de Angelo Visconti, bellos pedaços da natureza feitos ao ar livre, bem illuminados e puros; vê-se bem que aquillo não foi feito na Academia e que Visconti, sendo discipulo de um bravo pintor, é ao mesmo tempo um talento robusto e um trabalhador intrepido e audaz.[1]

Certamente o comentarista lá encontrou pinturas como Mamoeiro, Menino da ladeira, Vista da Gamboa, Novilho, todas datadas de 1889, ou até mesmo Casebre no fim da praia do Flamengo (1888). É também uma paisagem a pintura a óleo mais antiga de Visconti, de que se tem notícia – Morro de São Bento (1887).

CASEBRE NO FIM DA PRAIA DO FLAMENGO - OST - 49 x 72 cm - 1888 - COLEÇÃO PARTICULAR
CASEBRE NO FIM DA PRAIA DO FLAMENGO – 1888

No dia seguinte, o jornal O Paiz anunciava que estavam expostos estudos de pintura de Visconti, “esperançoso alumno da Academia”, na Casa Vieitas. Duas semanas depois, no mesmo jornal, em meio a muitos elogios, um crítico coloca: “O publico não o conhece ainda bastante, porque elle peleja na sombra, como um humilde soldado, trabalhando, trabalhando sempre”[2]. Além de antecipar uma prática que se verificaria em toda a carreira de Visconti, o autor ainda observa nas telas expostas na Casa Vieitas o ar circundando por entre a vegetação e a luz perfeitamente distribuída.

No mesmo ano de 1890, ocorreram mais dois momentos importantes para a carreira que se iniciava. Visconti participou em março, pela primeira vez, de uma mostra pública oficial, a Exposição Geral de Bellas Artes, que não acontecia havia seis anos. Em sua estreia, Visconti foi premiado com o quarto lugar, ao lado de João Batista da Costa, França Júnior, Raphael Frederico e Braz de Vasconcelos – todos receberam Menção Honrosa[3].

Após o encerramento desta última exposição sob a vigência da Academia, começou um intenso debate pelos jornais, sobre as reformas urgentes que eram esperadas para o ensino artístico brasileiro. Os professores e alunos insatisfeitos deixaram a Academia, em protesto pela situação em que ela se encontrava. Dois grupos se formaram com ideias diferentes sobre os novos rumos que o ensino das artes deveria tomar no país, e ambos debatiam constantemente entre si e com os mais conservadores que ficaram na Academia. Por fim, os artistas dos dois grupos dissidentes resolveram se unir e arrecadar assinaturas a uma petição que foi entregue ao ministro da Instrução Pública, Benjamim Constant, pelo único ponto sobre o qual concordavam: a extinção da Academia, como ela se apresentava naquele momento[4].

Entregue a decisão nas mãos do ministro, obtiveram a resposta de que a reforma do ensino artístico seria a última a ser realizada, após a de outros segmentos da educação brasileira. Para manter o protesto e esvaziar a Academia, o grupo que encabeçava a petição propôs então a experiência dos “cursos livres de belas-artes”, que aconteceram, primeiramente, num barracão montado no largo de São Francisco, e depois, no prédio do antigo Atelier Moderno, à Rua do Ouvidor, 45. Visconti, então com 23 anos de idade, teve importante atuação entre os seus pares[5], e foi dos primeiros a se inscrever no curso de pintura, que acabou conhecido como Atelier Livre.

MAMONEIRAS - MORRO DE SÃO BENTO - OST - 62 x 88 cm - 1890 - COLEÇÃO PARTICULAR
MAMONEIRAS – MORRO DE SÃO BENTO – 1890

No dia 8 de novembro, o ministro Benjamim Constant aprovava os estatutos para a Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), por decreto do Governo Provisório da República. Vitoriosos, os “insubordinados” alunos e “insidiosos” professores, como foram chamados pela ala conservadora, podiam voltar agora para a “nova escola”. Antes de abandonar o prédio do antigo Atelier Moderno, organizaram ali uma exposição dos trabalhos realizados durante os quatro meses de duração dos cursos. A exposição foi inaugurada no dia 26 de novembro e não recebeu muita atenção da imprensa. No entanto, depois de ser destacado entre os jovens alunos na exposição oficial daquele ano, Visconti também foi considerado brilhante na exposição organizada pelos dissidentes da Academia. A atuação do iniciante pintor nos acontecimentos de 1890 já anunciava a postura que ele adotaria durante toda a sua carreira, transitando desde as esferas oficiais até as manifestações marginais que mais se harmonizavam com seu espírito.

Datada deste ano fecundo, é a pintura Mamoneiras, que apresenta uma fatura muito solta e pastosa no chão de terra, em primeiro plano. A figura do caboclo, apenas esboçada diante da grande moita de mamonas, ressalta o tema rural ou suburbano característico do período, ao qual pertencem ainda: Uma rua da favela; Paisagem com figura (MNBA); As lavadeiras (1891); Caboclinha (1891); dentre outras.

NU MASCULINO - PROVA PARA O 1º PRÊMIO DE VIAGEM DA REPÚBLICA - OST - 110 x 76 cm - 1892 - MUSEU DOM JOÃO VI/ESCOLA DE BELAS ARTES-UFRJ
NU MASCULINO – PROVA PARA O 1º PRÊMIO DE VIAGEM DA REPÚBLICA – 1892

Retornando aos estudos regulares na ENBA, Visconti foi o primeiro a se beneficiar de uma importante conquista daquela reforma: a volta dos concursos anuais para o Prêmio de Viagem à Europa – o primeiro da era republicana, que aconteceu no final de 1892. Cada candidato, que durante as provas ocuparia uma cela individual, assinava seus trabalhos com símbolos ou pseudônimos. Eliseu adotou a representação gráfica do triângulo com o vértice para baixo[6], enquanto um de seus concorrentes usou o ponto de interrogação. Nas 2ª e 3ª provas, todos adotaram um pseudônimo, sendo um deles “Talvez”, outro, “Tempo ao tempo”, indicando dúvida e disposição para a espera de uma nova chance. O jovem Visconti, ao contrário, expressou a segurança em seu trabalho e a certeza da vitória, com um significativo “Adeus”[7].

Além das paisagens, talvez no retrato possamos encontrar uma síntese do que foi esse período da carreira de Visconti. No mesmo ano de 1890, dois retratos tão díspares em sua fatura, composição, colorido, podem representar a amplitude do aproveitamento de Visconti em sua formação, mesmo num meio artístico tão acanhado quanto o nosso. Um deles, O homem do cachimbo, além de demonstrar a habilidade do pintor nas técnicas aprendidas na Academia, já anuncia a profundidade psicológica que ele alcançaria em seus retratos. O outro é o símbolo do período do Atelier Livre, registrado, inclusive na dedicatória inscrita na tela, ao colega que com ele viveu essa experiência – Retrato de Macedo. E ainda mais dois surpreendem pelo uso do fundo paisagístico, em pinceladas largas e encorpadas, contrastando com o modelado tradicional do rosto: o Retrato de Senhora (1889) e aquele que provavelmente seja o seu primeiro autorretrato.

 

NOTAS:

[1] T da R. Academia das Bellas Artes: impressões de um pinta-monos. Vida Fluminense. Rio de Janeiro, 18 jan 1890.

[2] Artes e Artistas. O Paiz. Rio de Janeiro, 04 fev 1890, p. 2.

[3]Ata da Sessão de 30 de abril de 1890, do Conselho da Academia das Bellas Artes, folha 76. Arquivo Documental, Encadernados – Notação 6153, do MDJVI.

[4] O Paiz. (Artes e Artistas). Rio de Janeiro, 22 jun 1890, p. 2.

[5] Para maiores detalhes ver: Mirian Seraphim. 1890 – o primeiro ano da república agita o meio artístico brasileiro e marca a carreira de Eliseu Visconti. In: Oitocentos: Arte Brasileira do Império à Primeira República. Rio de Janeiro: EBA-UFRJ/DezenoveVinte, 2008, p. 257-272.

[6] Um símbolo da mulher chamado iôni, que representa o órgão sexual feminino.

[7] Museu Dom João VI – Acervo Arquivológico, Avulsos – Notação 6045.

MORRO DE SÃO BENTO - OST - 37,4 x 54,0 cm - 1887 - COLEÇÃO PARTICULAR
MORRO DE SÃO BENTO – 1887
MAMOEIRO - OST - 92 x 73 cm - 1889 - MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES - MNBA/RJ
MAMOEIRO – 1889
MENINO NA LADEIRA - OST - 51 x 73 cm - 1889 - COLEÇÃO PARTICULAR
MENINO NA LADEIRA – 1889
VISTA DA GAMBOA - OST - 24,5 x 41,0 cm - 1889 - COLEÇÃO PARTICULAR
VISTA DA GAMBOA – 1889
UMA RUA DA FAVELA - OST - 72 x 41 cm - c.1890 - COLEÇÃO PARTICULAR
UMA RUA DA FAVELA – c.1890
AS LAVADEIRAS - OST - 70 x 110 cm - 1891 - COLEÇÃO PARTICULAR
AS LAVADEIRAS – 1891
O HOMEM DO CACHIMBO - OST - 60 x 46 cm - 1890 - COLEÇÃO PARTICULAR
O HOMEM DO CACHIMBO – 1890
AMENDOEIRA - OSM - 41,0 x 34,5 cm - 1890 - COLEÇÃO PARTICULAR
AMENDOEIRA – 1890
RETRATO DE MACEDO - OSM - 30 x 20 cm - 1890 - COLEÇÃO PARTICULAR
RETRATO DE MACEDO – 1890