Paulo Herkenhoff

Eliseu Visconti - Moderno Antes do Modernismo - Publicado em "5 Visões do Rio na Coleção Fadel" - Edições Fadel - 2009

(Para Irma Arestizabal)

AVENIDA CENTRAL - OST - 49,5 x 32,5 cm - c.1908 - COLEÇÃO PARTICULAR
AVENIDA CENTRAL – c.1908

No início do século XX, a estreita e curta rua do Ouvidor, com suas vitrines, era o ponto nevrálgico do Rio. O logradouro foi palco da literatura de Machado de Assis. Na cidade, o pintor psicologicamente machadiano foi Belmiro de Almeida com a tela Arrufos (1887),[1] enquanto certas cenas pintadas por Gustavo Dall’Ara, como Rua 1º de Março (1907), oferecem paralelos da modernização da cidade vivenciada pelo escritor em seus últimos anos de vida. Essa rua do Ouvidor frequentou a literatura de Machado de Assis e nela, segunda a leitura de Richard M. Moses, “o escravo bêbado ocasional ou a mulata insinuante eram intrusos, párias”, sendo “um ambiente que mais confirmava o status”.[2] A rua do Ouvidor introduz uma chave que propicia entender o tempo fortemente diacrônico entre a cidade moderna que se esboçava no final do século XIX e as condições precárias na vida do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo em que, no último ano do século XIX, um possível vendedor tange perus entre os transeuntes no centro da cidade em Uma rua no centro do Rio de Janeiro (1899) de Dall’Ara, a rua do Ouvidor logo depois abrigaria o magasin A Torre Eiffel. Em 1967, Lúcio Costa defende em parecer a proteção de A Torre Eiffel pelo então Departamento de Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, descrevendo a loja como “o único exemplar existente no país de uma construção ainda filiada à corrente internacional dos stores e magasins típicos do último quartel do século XIX e começo deste século”.[3] Hoje, A Torre Eiffel pertence ao enorme passivo do Iphan para com a sociedade brasileira ao permitir demolições no Rio de Janeiro (“prejuízo irreparável para a história da cidade”, segundo Costa) de grandes construções, que, sendo propriedade privada, não tiveram o mesmo rigor protecionista que receberam prédios públicos de igual valor, em claro processo de conivência com a especulação imobiliária. A pequena pintura Avenida Central (c. 1908, 49,5 X 33 cm) de Eliseu Visconti (1866-1944) responderia a um passo ainda maior na urbanização do Rio de Janeiro: a inauguração da principal artéria da cidade em 1905 – a avenida Central. Esse foi o feito paradigmático que mobilizou o Brasil no início do século XX em torno da ideia da necessidade de modernizar nossas cidades e, sobretudo, sua Capital Federal. Em fevereiro de 1912, o nome da avenida Central mudou para avenida Rio Branco em homenagem ao Barão do Rio Branco, falecido naquele mês.

Eliseu Visconti é um ponto de ruptura na discussão da cultura moderna na virada do século XX. Sua pintura Avenida Central significa um Rio que não neutraliza, mas produz modernidade. Sobretudo, Avenida Central introduz o tema da modernidade que crescentemente afetará as futuras gerações de artistas brasileiros. Rasgada sobre a planta da cidade original, a avenida Central instaura politicamente a diferença entre a Corte e a cidade aberta à cidadania, entre o Império e a República, entre a modernidade e os vestígios urbanísticos da colônia. Portanto, sua Avenida Central difere simbolicamente da rua do Ouvidor de Machado de Assis. A avenida Central dissolverá hierarquias. Cabe ressaltar que o quadro de Visconti não se reduz de modo algum ao registro iconográfico, uma vez que o artista se propõe a constituir questões plásticas modernas e apenas denotar temas sociais da modernidade. Trata-se, então, de buscar a correspondência entre urbanismo e pintura de paisagem na cultura brasileira. Visconti seria ainda convocado para a ornamentação de alguns edifícios-chave da nova avenida, como o Teatro Municipal e a Biblioteca Nacional. Seus quadros passaram a ser exibidos nas galerias da Escola Nacional de Belas Artes (o atual Museu Nacional de Belas Artes). A modernização do Rio incluía o levantamento de edifícios públicos, melhoramentos no porto, a notável transformação do centro político e comercial e a urbanização da orla da Gamboa a Botafogo. Em 1908, provável ano do quadro Avenida Central, também se realizou na cidade a Exposição Nacional para celebrar o centenário da abertura dos portos brasileiros com o deslocamento da sede da coroa portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808. Ao mesmo tempo, a Exposição Nacional articulou simbolicamente a nova República, diferentemente das Exposições Universais na Europa que desde o século XIX expunham a força dos grandes Impérios.

NEGROS NO PANO DE BOCA
NEGROS NO PANO DE BOCA DO THEATRO MUNICIPAL

O Rio de Janeiro foi a cidade brasileira onde ocorreu mais amplamente a belle époque.[4] Visconti não despreza a articulação de certas forças e representações sociais em Avenida Central. Ademais, a cidade era o centro de seu universo afetivo, como escreveu o artista em 1942: “há quase 70 anos que habito o Rio, tenho o direito de ser Carioca; local, onde meu espírito se formou e abriu-se à sensação estética que até hoje me prende à vida”.[5] O Rio de Janeiro foi palco dos acontecimentos mais radicais a partir do final do século XIX, como o fim da escravidão e a implantação da República, entre outros movimentos políticos. Em 1904, Nina Rodrigues publica seu controvertido artigo “As belas artes dos colonos pretos do Brasil” na revista Kosmos, em que aponta o valor da arte afro-brasileira e “os incontestáveis serviços à nossa civilização”, mas também que a “raça negra” “há de se constituir sempre um dos fatores de nossa inferioridade como povo”.[6] A cidade também ampliava, pois, a valorização da cultura negra, como no caso da revista Kosmos,[7] e discutia a pluralidade religiosa na metrópole em Religiões do Rio (1904) de João do Rio, publicado no mesmo ano do artigo de Nina Rodrigues. Se Visconti só  voltou a se estabelecer em Paris entre 1905 e 1907 para pintar o pano de boca do Teatro Municipal, portanto, deve ter tomado contato com essas discussões de Rodrigues e João do Rio. Na pintura do pano de boca do Teatro Municipal, em que são representadas importantes figuras da cultura ocidental, a posição republicana de Visconti manteve aí a inscrição da presença de negros, contra certas pressões contrárias de remanescentes da sociedade escravocrata do grande painel histórico da cultura. Frederico Barata apontou como a crítica burguesa no Brasil censurou Visconti por isso, “por ter colocado três figuras de negros entre a massa de populares que exaltam o grande cortejo histórico”.[8] O pintor não se ausenta, portanto, das contradições sociais. A cidade do Rio de Janeiro desenvolveu o maxixe e outros ritmos musicais, índices fortes da paulatina emergência da expressão da vida simbólica das classes subalternas e da ruptura de recalques à cultura afro-brasileira. O Rio de Janeiro da belle époque implicou grandes transformações urbanísticas, como a avenida Central construída para o trottoir, o automóvel e o grande comércio, com novos padrões de lojas e suas vitrines, na Tour Eiffel (o primeiro magasin carioca), as confeitarias como a Colombo (interpretadas nas charges de Rian, J. Carlos, K-lixto, Raul e Emílio Cardoso Ayres), os primeiros grandes hotéis como o Palace e o Central com sua galeria, a vida noturna nos teatros e primeiros cinemas, as fantasias arquitetônicas de Antonio Virzi, o gosto pelo art nouveau ou modern style, a introdução dos avanços tecnológicos (a fotografia, o telefone, o fonógrafo, o cinematógrafo, o automóvel, a própria ideia da aviação, como no cartaz A conquista do ar de Visconti, de 1901). A imprensa desenha novos projetos editoriais como as revistas Kosmos, O Malho e Fon-Fon! e absorve o novo desenho industrial e gráfico, do qual Eliseu Visconti é o inovador mor. Não sem fricções, o Rio experimenta a incidência ostensiva do universo moderno descrito pelo poeta Charles Baudelaire em Le peintre de la vie moderne,[9] como as construções de ferro (o Real Gabinete Português de Leitura de 1887 e o Mercado Público de 1910), o novo urbanismo, a presença ostensiva da moda, do dandismo (com o almofadinha de J. Carlos), do flâneur (João do Rio, ele mesmo) e da mulher (a melindrosa de J. Carlos), a grande Exposição Nacional de 1908, a pintura moderna, a crítica de arte despregada da literatura e do jornalismo, a ampla caricatura dos costumes e da vida política. Já no Rio no século XIX, lia-se Edgard Allan Poe em tradução francesa de 1857 comentada por Baudelaire.[10] Dois excepcionais retratos feitos por Visconti representam esse novo tempo. O Retrato de Luiz Gonzaga Duque Estrada, que registra o primeiro grande crítico de arte brasileiro, vestido à maneira de um dândi. O Retrato de Nicolina Vaz de Assis (1905) traz índices do valor da moda e da psicologia da mulher mais emancipada, representada por esta escultora. Também Rodolfo Amoedo na década de 1890 produzirá uma galeria de mulheres envolvidas no novo estilo de vida. Além dele, outros artistas como Belmiro de Almeida (Arrufos, 1887), Décio Villares, Eugène Latour (Bianca, 1912) e Rodolfo Chambelland (Baile à fantasia, 1913) apresentam evidências de etapas diferentes da belle époque carioca. A jeune fille, a beleza feminina juvenil e a mulher enigmática, facetas descritas por Baudelaire, estão em Gioventù (1898) do mesmo Visconti. Para ele, representar o progresso material da modernidade implicava torná-lo presença visual. Aqui, esse tornar presente é a tarefa mesma da forma na linguagem moderna da pintura. Nas primeiras décadas do século XX, Émile Gallé em Nancy, que representava com Siegfried Bing em Paris, os dois grandes polos do art nouveau na França, consagrou uma série de vasos em vidro à paisagem do Rio de Janeiro.[11]

O BEIJO DA GLÓRIA A SANTOS DUMONT - CARTAZ - LITOGRAFIA MONOCROMÁTICA COM OURO - 69,5 x 50,0 cm - 1901 - COLEÇÃO PARTICULAR
O BEIJO DA GLÓRIA A SANTOS DUMONT – 1901

Em sua trajetória absolutamente pioneira, Eliseu Visconti foi um agente capital da modernização da arte brasileira. Até encontrar a maturidade, sua ação dedicada de pintor urdiu uma sólida trama de movimentos como o impressionismo, o pós-impressionismo, certo pré-rafaelismo (Gioventù e Recompensa de São Sebastião, 1898), o divisionismo, o simbolismo (A Providência guia Cabral, 1899) e o art nouveau. Eliseu Visconti foi o mais denso e complexo japonista dos pintores modernos brasileiros.[12] Tudo isso foi realizado com maior rigor até se fixar em suas questões pictóricas no início do século XX.[13] Sem recorrer ao exotismo para convencer a Europa do valor de sua pintura, soube escapar da solução fácil da pintura de gênero e do regionalismo e problematizar o foco da pintura para além da estrutura de desenho. Visconti se volta para os hábitos urbanos modernos fosse em Paris ou no Rio (em telas como Tricoteuse, 1906, e Avenida Central respectivamente), o erotismo mais refinado de toda a arte brasileira e o trabalho com a indústria gráfica, como a capa art nouveau da Revue du Brésil de 1896. Toma o partido dos avanços tecnológicos como as experiências aeronáuticas de Santos Dumont, com o mencionado cartaz A conquista do ar de 1901, e as ideia urbanísticas revolucionárias na tela Avenida Central. Em 1901, já tendo retornado ao Rio de Janeiro, Visconti realiza o cartaz em homenagem a Santos Dumont, que se consagrara mundialmente com experiências que levaram a sua invenção do dirigível em 1901. O pintor absorveu temas nacionais, como os motivos vegetais tropicais (maracujá e orquídeas) empregados na decoração floral de vasos (1902) na medida certa e distinta do exotismo exacerbado de outros. Essa relação de Visconti com a vegetação pode estar assentada, como para o art nouveau em geral, na publicação Kunstformen der Natur (1897), de Ernst Haeckel. A qualidade gráfica dos desenhos deste livro foi, segundo Peter Selz, a pedra de toque para o desenvolvimento formal do art nouveau.[14] Ernst foi professor do cientista Emil Goeldi, pai do gravador Oswald Goeldi.[15] Em 1898, Eugène Grasset, que fora professor de Visconti, escreveu o ensaio “La plante et ses applications ornamentales”. Visconti foi, portanto, um precursor da nova brasilidade moderna que atravessa o século XX, que se aceleraria com o modernismo duas décadas depois, mas, no entanto, foi também excluído; não participa da banda de música modernista da Semana de Arte Moderna de 1922. “Já no Brasil, estudara as plantas típicas, oferecendo-nos criações como o emblema para a Biblioteca Nacional”, notou Irmã Arestizabal em seu artigo pioneiro “Eliseu Visconti e a arte decorativa”.[16] Para Frederico Morais, pela primeira vez, um pensionista brasileiro afastava-se dos caminhos tradicionais, que levavam inevitavelmente aos mestres acadêmicos, como Cabannes, Volon, etc., para dedicar-se ao estudo da arte decorativa”.[17] Visconti nunca coube no reducionismo da noção de academicismo, a vala onde se intenta sepultar todo o século XIX brasileiro e seus desdobramentos nas décadas seguintes do novo século. Por isso, ainda paira sobre a pintura de Eliseu Visconti um silêncio a respeito de alguns significados estéticos e históricos de sua produção. É que, sob a percepção imediata, ela aparenta não se prestar muito a leituras nacionalistas e antropológicas. Certo Brasil universitário sacrifica de bom grado o rigor estético por um assunto caipira, a visão marxista da causa operária pela elegia positivista da industrialização, a visão crítica pela anedota folclórica. O silêncio na pintura se converte em silêncio sobre a pintura desse artista. Uma tarefa significativa da historiografia contemporânea é reconstituir o lugar mais preciso de Visconti na pintura moderna no Brasil e na América Latina. Fosse Visconti argentino, colombiano, mexicano ou venezuelano estaria devidamente consagrado.[18] Malgrado certo hiato historiográfico, poucos artistas aportaram tanta dinâmica à história da arte brasileira comparável a Visconti com sua vontade do moderno no momento crucial da passagem do Império para a República, do país rural para a vontade do urbano e do industrial.

GIOVENTÙ - OST - 1898 - 65 x 49 cm - MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES - MNBA - RIO DE JANEIRO/RJ - GIOVENTU - MEDALHA DE PRATA NA EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DE PARIS EM 1900
GIOVENTÙ – 1898

O art nouveau de Eliseu Visconti tem um denso significado histórico. Em gozo do Prêmio de Viagem, Visconti vive em Paris do início de 1893 a 1900. O trabalho de Visconti e de outros, somado às encomendas e à aceitação estética, indica que o Rio de Janeiro não só participou tempestivamente do art nouveau, como se integrou e contribuiu para o seu apogeu. Ao chegar à França, Visconti encontra o auge do art nouveau que muitos historiadores entendem ter durado pelo período de 1890 a 1905. Em 1894, abre-se em Bruxelas, a exposição “Libre esthétique”, da qual participaram Toulouse-Lautrec, Jules Chéret, Eugène Grasset, William Morris, Aubrey Beardsley, entre outros. Na abertura, executou-se música de Claude Debussy. No ano seguinte em Paris, ocorreu a inauguração do Salon de l’Art Nouveau, galeria de Siegfried Bing, dedicada ao art nouveau e à arte a ele correlacionada, o que pode ter aguçado o olhar de Visconti.[19] Além do fortalecimento do estilo, Bing expôs gravuras de artistas como Félix Valloton, James Ensor e Edvard Munch, cuja temática da adolescência melancólica (e. g. A menina doente, 1894), pode ter marcado a pintura platônica de Visconti em obras como Gioventù (1898). Também em 1895, Visconti se matriculou na École Guérin, onde estudou com Grasset, um dos mais refinados e influentes artistas do art nouveau. Esta fora uma opção firme, uma vez que o art nouveau não recebia aprovação unânime no contexto francês. Visconti deve ter resistido ao desestímulo representado pela dura crítica de Arsène Alexandre no artigo “L’art nouveau” no Figaro de Paris a 28 de dezembro de 1895, quando critica uma exposição no Salon de l’Art Nouveau ao mencionar “abstração perigosa”, “confusão de linhas e cores”, “dor de cabeça”, esperando que Bing descobrisse que estava errado.[20] Edmond Goncourt falou de “delírio da feiúra”. A acusação de Goncourt, no Journal de 30 de dezembro de 1895, de que o estilo era um movimento desnacionalizado pode ter levado Visconti ao interesse pela vegetação tropical em alguns de seus projetos de arte decorativa. No lado positivo, críticos como Tadée Natanson aportam seu apoio ao art nouveau.[21] Portanto, com Eliseu Visconti, pela primeira vez um artista brasileiro opta e participa de um movimento moderno no curso de seu acontecimento na Europa.

PATINHOS NO LAGO - OST - 60 x 81 cm - 1897 - COLEÇÃO PARTICULAR
PATINHOS NO LAGO – 1897

Severo e entusiasmado, o crítico Mário Pedrosa, que havia estudado em Berlim nos anos de 1930 e vivido em exílio nos Estados Unidos na década seguinte, suspeita que o fato de os modernistas não terem tido competência para uma avaliação justa do significado de Visconti tenha causado dano ao desenvolvimento da arte brasileira: “Foi uma pena que o movimento moderno brasileiro, no seu início, não tivesse contato com Visconti. Os seus precursores teriam tido muito que aprender com o velho artista, mais experimentado, senhor das técnicas da luz, aprendidas diretamente na escola neoimpressionista. O temperamento moderno brasileiro não se teria nutrido apenas de ideias importadas da Europa”, fustiga Pedrosa, pois “encontrariam, certamente, na pintura do velho mestre brasileiro, indicações preciosas para o futuro e susceptíveis de desenvolvimento”.[22] Visconti realiza aquilo que Oswald de Andrade percebe no Manifesto pau-brasil como uma forma da revolução moderna: “a deformação através do impressionismo, a fragmentação em caos voluntário”. É assim que o artigo de Pedrosa tem o pertinente título “Visconti diante das modernas gerações”. Sem dúvida, não foi Visconti, mas a arte brasileira, que se vitimou da doença oftalmológica do “semanismo”, que é a incapacidade intelectual de enxergar a arte brasileira e sua história para além das janelas do Teatro Municipal de São Paulo, local onde se realizou a Semana de Arte Moderna de 1922. Por falta de museus e história adequados, a verdade é que não era possível ao modernismo ter familiaridade com as realizações da pintura no Brasil com uma curiosidade marcada pelo preconceito e pelo desconhecimento. Em seus momentos excepcionais, Johann Georg Grimm (Vista da Ponta de Icaraí, 1884), J. B. Castagneto (Praia de Santa Luzia à noite, 1886, e Trecho da praia de São Roque em Paquetá, c. 1898), Rodolfo Amoedo (Busto da Sra. Amoedo, 1892), Belmiro de Almeida (Maternidade em Círculos, 1908) e Eliseu Visconti (Patinhos no lago, 1897), o herdeiro direto da pintura de Grimm e Castagneto em Avenida Central, alinham exemplos num processo de construção da modernidade fora da história, vitimada pelo semanismo.

EMBLEMA DA BIBLIOTECA NACIONAL - NANQUIM E GUACHE/PAPEL - 46 x 34 cm - 1903 - FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL - RIO DE JANEIRO - RJ
EMBLEMA DA BIBLIOTECA NACIONAL – 1903

Eliseu Visconti, com as características próprias de sua época, transformou a linguagem da pintura e introduziu a noção de design industrial no Brasil. O lapso de tempo que separa seu impressionismo da primeira exposição impressionista em Paris é exatamente o mesmo que existe entre a primeira mostra de Edvard Munch na Alemanha e a pintura expressionista de Anita Malfatti.[23] Na virada do século XX, a consolidação do regime republicano, a industrialização e a urbanização no Rio apresentaram uma forte demanda por design gráfico, que era atendida por artistas como Visconti, Belmiro de Almeida, Hélios Seelinger, J. Carlos e Gustavo Dall’Ara, entre outros. Faziam títulos e capas de revistas e livros, desenhavam anúncios, rótulos, cartazes, anúncios, diplomas, ex-libris, selos, cartões-postais e outras peças gráficas, mas também projetos de produtos, como estamparia, papel de parede e vasos, seus aspectos de aplicação das artes à indústria. Visconti não improvisou também nesse campo, pois soube escolher um mestre em artes decorativas. Estudante de Eugène Grasset em 1893-1897, Visconti é o primeiro grande designer gráfico e desenhista industrial no Brasil, com projetos notáveis como os cartazes art nouveau para a cervejeira Companhia Antártica no alvorecer do século XX, além de desenhar vasos decorativos para a fábrica de Cerâmica e Vidro Américo Ludolff no Rio de Janeiro. Ao realizar uma exposição de artes decorativas, na Escola Nacional de Belas Artes em 1901, exibindo projetos de objetos de ferro, luminárias públicas, grades, vitrais, estamparia em tecido, papel de parede e cerâmica, Visconti transforma o modelo das relações entre arte e indústria, que no Brasil pela primeira vez se propõe ao deslocamento para o paradigma moderno e temas da vida urbana, além de introduzir no país o movimento art nouveau em seu período de plena vigência na Europa. O evento indica uma abertura estética na Escola. A mostra foi visitada pelo industrial Américo Ludolf, com quem Visconti inaugura sua relação no campo da produção. O ano de 1904 será de consagração do design moderno no Brasil. No Rio de Janeiro, instituições públicas demonstravam interesse na modernização de sua identidade gráfica. Visconti vence os concursos da Casa da Moeda para a realização de selos postais e cartas-bilhete, enquanto a Biblioteca Nacional tem seu ex-libris e emblema feitos por ele. Nesse ano, surgem as publicações cariocas O Tico-Tico, para o público infantil, e a Kosmos, que o bibliófilo José Mindlin reputa como “possivelmente a mais bela revista publicada no Brasil”.[24]

Traçada pelo engenheiro Paulo de Frontin na administração do prefeito Pereira Passos, a abertura da avenida Central no centro histórico do Rio exigiu a demolição de mais de 600 imóveis coloniais para dar espaço a um novo conceito de urbanismo no Brasil. A cidade do “bota abaixo” havia sido saneada por Oswaldo Cruz. O quadro Avenida Central de Visconti parece compor o pano de fundo desse avanço no saneamento público. A avenida Central foi desde sua consolidação na primeira década do século XX até o final da década de 1940 o grande emblema da modernidade na vida cotidiana brasileira. Representou a noção coletiva de modernidade mais que de progresso, a possibilidade do moderno no presente. Avenida Central respondeu a esse anseio urbanístico inovador. Nas conclusões de sua tese sobre o pintor, Ana Heloisa Molina argumenta com propriedade que “Visconti propôs a celebração do espírito frente ao avanço incessante da máquina do progresso”.[25] Molina demonstra como Visconti urde noções do urbano, de civilização e de modernidade. Depois de rasgada a avenida, as construções ecléticas, algumas monumentais, se sucederam rapidamente. Assim, Avenida Central de Visconti mostra uma fração do urbanismo que Le Corbusier denominou o “milagre” do Rio de Janeiro e “um espetáculo admirável” na conferência “Grandeza de visão na época dos grandes empreendimentos” proferida na cidade em 1936.[26] Claro que a mesmíssima cidade tinha de desagradar a um mesquinho Mário de Andrade em seu projeto de monopólio de centralidade modernista para São Paulo a qualquer preço: “acho o Rio uma cidade muito feia, a urbanidade, o trabalho do homem”.[27] Já para Ruth Levy, ocorre historicamente no Rio “um verdadeiro espetáculo de dramatização da utopia do progresso”.[28] A avenida Central se tornou o paradigma mágico da vontade urbanística moderna brasileira, como símbolo coletivo porque a cidade era a capital do país. Esse sentido é aqui interpretado por Visconti em Avenida Central. O quadro se propõe a construir o signo pictórico desse paradigma da vontade moderna brasileira. A arquitetura substituirá o urbanismo no imaginário do moderno no Brasil a partir do projeto do edifício do Ministério da Educação e Saúde (1936-1945), com risco original de Le Corbusier e projeto dirigido por Lúcio Costa e com a participação de Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcellos, Jorge Moreira e Oscar Niemeyer. Afirma ainda Richard M. Moses que “como aprendemos com São Petersburgo e Viena, e como é visível no Rio de Janeiro de Machado de Assis, não se pode dizer que a periferia reflita o centro”. Essa ausência, no entanto, está suprida no contexto geral da paisagem de Gustavo Dall’Ara e de Tarsila, entre outros, e na gravura de Goeldi. Por isso, o Rio haussmanniano será acima de tudo o Rio de Pereira Passos, será o “milagre” carioca observado por Le Corbusier e como também o prédio do Ministério da Educação e Saúde termina como a obra emblemática da arquitetura moderna brasileira.

A pintura Avenida Central remete ao barão de Haussmann, prefeito de Paris, que promoveu amplas reformas urbanísticas em sua cidade, sobretudo na década de 1860, que definiram seus principais aspectos atuais, como a Place de l’Étoile. As modificações implicaram a alteração de um número bastante significativo de construções medievais e teria atingido 60% das construções de Paris. Antes do Rio do prefeito Pereira Passos, como se depreende dos artigos de Alexei Bueno e Júlio Bandeira nesta coletânea, na Paris de Haussmann também houve condenação e protestos contra as reformas, como amplamente registrados por Benjamin em Paris, capitale du XIXe siècle: le livre des passages.[29] No Rio, um Lima Barreto fez uma crítica ácida do novo urbanismo. Em “Urbanismo e roceirismo” (1921), Lima Barreto afirma que “o urbanismo foi criado pelo próprio governo da República, dando nascimento, por meio de tarifas proibitivas, a um grande surto industrial, de modo a fazer da longínqua Sorocaba, antigamente célebre pela sua feira de muares, uma pequena Manchester, como a chamam os paulistas. Veio depois a megalomania dos melhoramentos apressados, dos palácios e das avenidas – o que atraiu para as cidades milhares e milhares de trabalhadores rurais”. As grandes reformas de Haussmann em Paris a serviço de Napoleão III tinham, entre suas finalidades, dificultar a formação das barricadas em revoltas populares como ocorrera em 1848. O racionalismo urbanístico do Rio haussmanniano, que se evidencia no quadro Avenida Central, tem seu ápice nas reformas promovidas por Pereira Passos durante a Presidência de Rodrigues Alves e tem continuidade na derrubada do morro do Castelo para dar lugar ao projeto da Esplanada do Castelo (1922), no Plano Agache (1930) e na abertura da avenida Presidente Vargas (1944). No Rio, diferentemente de Paris, esse urbanismo também significou uma profunda alteração construtiva da própria paisagem natural com aterros, reflorestamentos e desmonte de morros como processo de visibilização da metrópole moderna e capital da República. Em Paris, como no Rio, milhares de indivíduos são excluídos do tecido urbano no processo de reformulação da cidade.

Na visão moderna da cidade do Rio de Janeiro, um complexo cultural se integra ao espaço urbano reformulado como símbolo da missão civilizatória da nova República.[30] Num raio de 200 metros em trecho da avenida Central, consolidado em duas décadas, estavam a Biblioteca Nacional, a Escola Nacional de Belas Artes, o Museu Nacional de Belas Artes, o Liceu de Artes e Ofícios, o Teatro Municipal, o Senado, o Supremo Tribunal Federal, o Palace Hotel (com seu programa de arte moderna), a Cinelândia, o Hotel Avenida com sua galeria (cantada por Noel Rosa), o Jockey Club, uma dúzia de cinemas e muitas confeitarias. Assim, a pintura Avenida Central reitera a parte dessa missão civilizatória atribuída à avenida Rio Branco no processo da modernidade brasileira. Talvez tanta densidade cultural nessa artéria tenha provocado ressentimentos. Na mais brutalista página do modernismo brasileiro, Mário de Andrade destila seu ódio preconceituoso contra o Rio e tem seu gozo perverso na destruição da avenida Rio Branco, nome atual da Avenida Central: “(…) e eis que um frêmito sussurrante percorre a multidão imprensada na Avenida Rio Branco. Milhares de cavalos brancos por causa do nome da avenida, carregando pajens também de branco, cetins e diamantes, surgem numa galopada imperial, ferindo gente, matando gente, gritos admiráveis de infelicidade, a que respondem sereias e mais sereias escondidas atrás das luzes dos morros. E quando a avenida é uma uniforme poça de sangue. (…) E assim que passarem as panteras rasteiras, espirrando pros lados o sangue que corre no chão (…)”.[31] O estado de ânimo nesse texto põe a nu seu sistema de violências numa declaração silenciosa de uma guerra simbólica que o escritor travaria até sua morte contra o Rio de Janeiro.

Aproximadamente no mesmo ano da pintura Avenida Central (c. 1908) de Visconti, João do Rio publica A alma encantadora das ruas (1908), coletânea de crônicas sobre a cidade.[32] O cronista apontava então que o Rio e sua avenida Central tinham uma movimentação cinematográfica marcada por um novo formato de dinamismo das pessoas e dos veículos e pela articulação de imagens cotidianas díspares. Cabe imaginar um diálogo entre o pintor e o escritor. A avenida, como demonstra Visconti, era simultaneamente o espaço citadino do trottoir, da multidão e da velocidade dos veículos de transporte que remetem à modernidade discutida por Charles Baudelaire e Walter Benjamin como fenômeno das cidades. O cinema, invento dos irmãos franceses Lumière, foi exibido pela primeira vez em Paris em 28 de dezembro de 1895. Sete meses depois, o cinematógrafo chegou ao Rio, em julho de 1896. No ano seguinte, Paschoal Segreto abre no Rio o cinema Salão de Novidades Paris e logo realiza a primeira filmagem no Brasil, Vista da baía de Guanabara (1897-1898). Portanto, a modernidade do cinema é questão no Rio ainda no século XIX e surge como registro em movimento da paisagem carioca. Nesse clima de descoberta da imagem em movimento com o cinema, a própria escrita de João do Rio toma a dinâmica do novo tempo urbano, como se depreende do título de outra coletânea de escritos: Cinematographo: crônicas cariocas, publicada em 1909. No prefácio desse livro, o autor une a vida da cidade ao cinema: “com pouco tens a agregação de vários fatos a história do ano, a vida da cidade numa sessão de cinematógrafo”.[33] Em seu “cinematógrafo de letras”, o escritor aborda a era do automóvel. Muitas paisagens do Rio, como Avenida Central, celebrarão os meios de transporte modernos. Em 1918, Artur Timóteo da Costa registra o automóvel (a baratinha na praia) em Navio encalhado na praia de Copacabana (1918) e o bonde, em Praça Floriano. Gustavo Dall’Ara justapõe trottoir e automóvel em A casa persa na rua do Rosário (1914). A avenida Rio Branco no quadro Praça Floriano, Rio de Janeiro (1922) de Oswaldo Teixeira, como também em Avenida Central de Visconti, com a rua em diagonal que atravessa o quadro, recebe um tratamento dinâmico assemelhado ao conceito de avenida-cinematógrafo de João do Rio. No início da década de 1930 no Rio, o pintor Bruno Lechowski inaugurou a exposição “Cineton”, cujo título englobava essa mesma dinâmica urbana da metrópole brasileira “… Movimento. Energia. […] O operário que trabalha na forja, o homem que dirige o bonde, a telefonista, o chauffeur, […] … Todos, sem exceção, cabem dentro da palavra Cineton”.[34] O Visconti de Avenida Central é sensível ao novo tempo acelerado da vida moderna. O pintor deslocou a pintura antifotográfica para o modo cinematográfico de olhar. Nada é estático. A cidade é organismo dinâmico. A pintura pode se tornar a contingência fenomenológica entre o fugidio da atmosfera e o transitório da dinâmica urbana.

A escrita de João do Rio, a fotografia de Marc Ferrez e de Augusto Malta, a revista Fon-Fon! (com seu título onomatopaico referente em 1907 à nova dinâmica do transporte por automóvel),[35] o desenvolvimento do espírito científico (com o Museu Nacional fundado em 1818 e reformulado por D. Pedro II, e o Instituto Soroterápico Federal, depois Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos e atualmente Fundação Oswaldo Cruz, criado em 1900) e a pintura de Visconti são algumas interfaces da fascinante eclosão dinâmica da metrópole moderna no país que era eminentemente rural, conforme, ainda na década de 1920, se refletia no projeto pictórico de Tarsila do Amaral, como adiante se verá. Por outro lado, na paisagem em análise de Visconti, não há lugar para nenhuma daquelas notáveis construções coloniais que marcavam a histórica capital do Vice-Reino ou do Império. A essa altura, pode-se dizer que a tela de Visconti tenha algo daquilo que Aline da Silva Novaes disse do livro de João do Rio: “O Rio de Janeiro é o cenário do filme, no qual será narrada toda a multiplicidade que pode existir em uma cidade durante o processo de modernização”.[36] Em pintura, esse filme da multiplicidade da modernização foi exposto por Visconti, J. Carlos, Rodolfo Chambelland, Timóteo da Costa, Gustavo Dall’Ara e outros. No prefácio de recente edição de A alma encantadora das ruas de João do Rio, Raúl Antelo defende que as reformas da Capital nas primeiras décadas do século XX converteram “a Cosmópolis numa autêntica cidade”.[37] Ao lado de professores e pesquisadores como Nelson Aguilar, Luciano Migliaccio, Richard M. Moses, Ângela de Castro Gomes, Rafael Cardoso entre vários outros, Antelo é um dos principais historiadores contemporâneos que rompem com o paradigma geopolítico que, a partir de um batalhão acadêmico da USP, tem sistematicamente buscado desconstruir a modernidade do Rio com grave prejuízo para o conhecimento da história da arte brasileira. Não se trata de defender o Rio, mas de restaurar os contornos da modernidade brasileira submetidos a interesses e preconceitos geo-políticos. A tela Avenida Central dá conta da Cosmópolis, daquela “autêntica cidade” notada por Antelo. Visconti não pinta um mero elogio da arquitetura verticalizada, do urbanismo, do espaço público ou do progresso, mas incorpora as mudanças concretas que as reformas racionalistas do centro histórico carioca empreendidas pelo prefeito Pereira Passos introduzem como possibilidades estéticas de se traduzirem em desafios e fatos da linguagem da pintura. Monografias de Ana Maria Tavares Cavalcanti, Ana Heloisa Molina, Valéria Ochoa Oliveira e Miriam Nogueira Seraphim representam um notável avanço na compreensão do significado histórico de Visconti, de seu lugar na arte moderna brasileira e a ruptura do silêncio modernista sobre o pintor.

Em Avenida Central, Visconti elabora o estatuto do signo pictórico moderno, com o qual trata da representação da própria modernidade no âmbito coletivo da cidade. Essa é sua experiência histórica. Luz eminentemente urbana, paleta deslocada da paisagem natural, pincelada como impressão quase cinematográfica e linha dinâmica são os principais signos pictóricos a que Visconti recorre para constituir um discurso da pintura sobre a própria pintura, estabelecer sua fenomenologia e inscrevê-lo politicamente na vida social. O caráter autorreflexivo da pintura de Visconti se denota com o fato de que o espaço da avenida se constitua no espaço mesmo da pintura. Portanto, não é só o urbanismo que é manifestação de modernidade em Avenida Central, mas também a própria pintura que com ele se embate e dialoga. Nessa trama, o pintor faz sua reflexão sobre o espírito moderno. Como no entusiasmado texto “le peintre de la vie moderne” de Baudelaire, a apresentação em diagonal da rua em Avenida Central reitera o vertiginoso da cidade; a névoa no céu, o efêmero dos tempos modernos; a matéria pictórica conformando figuras e carros pouco nítidos, o contingente.[38] Frequentemente, as cenas impressionistas de Paris eram tomadas de balcões (e. g., O homem no balcão, c. 1880, de Gustave Caillebotte). Avenida Central certifica que o pintor trabalhou a partir de certa altura. Esse ângulo não parece partir do morro do Castelo nem propõe qualquer detalhe que pudesse estar no primeiro plano, no qual se situaria o espectador para apreciar o espetáculo da terra carioca, como ocorreu com Nicolas-Antoine Taunay (Largo da Carioca, 1816) e Grimm (Vista do Rio de Janeiro, tomada da rua Senador Cassiano, em Santa Teresa, 1883). Nem se trata de uma vista aérea, em vol d’oiseau, construída a partir de mapas como a Vista panorâmica de Recife com frota holandesa fundeada no porto (c. 1640) de Gillis Peeters ou uma paisagem à vol d’oiseau do Rio por Emil Bauch. A cena urbana de Visconti deve ter sido pintada de um lugar concreto e alto, do topo de um edifício construído pelo homem, como em Boulevard des capucines (1873-1874) de Monet. Compare-se, por exemplo, o ponto de vista da avenida Central com o ângulo da gravura Boulevard van Isegnen em Ostende (1889) de James Ensor, exibida no Salon de l’Art Nouveau de Bing em 1896. No caso de Visconti, o ponto de vista do espectador se situa no contexto da engenharia monumental construída na artéria espetacular. Por isso, esse ponto de vista também celebra a verticalidade já instalada na avenida Central. Em resumo, na obra de Visconti o quadro não é mera janela para o mundo, uma abertura espacial que possibilita detectar as aparências do mundo e de seu processo de construção social. No entanto, se ainda for janela, será para definir um regime escópico do mundo moderno agora construído em pintura, em nova ordem de espacialidade.

Em Avenida Central, o autor capta o modo como, a partir da remodelação hausmanniana da cidade, ocorre a incorporação da luz ao tecido urbano através de avenidas largas, de texturas nos edifícios, de uma nova espacialidade na organização do lugar coletivo e público, da vista de uma perspectiva ampla no traçado das ruas da grande cidade e do lugar do pedestre e da multidão. Avenida Central elide, nem mesmo tangencia, o destino natural e a herança histórica do Rio.[39] Visconti, como João do Rio e Lima Barreto, expõe, tal qual Walter Benjamin advertiu em Paris, capitale du XIXe siècle (p. 575), que a burguesia toma não só seu controle social, mas também sua dominação da natureza. Por isso, a tela de Visconti vai mais além do que Baudelaire compreendia, no alvorecer da modernidade em 1859, como constitutivo da paisagem: “traduzir um sentimento por uma reunião de matéria vegetal e mineral”.[40] O modernista Graça Aranha, um motor da Semana de Arte Moderna de 1922, descreveu a gênese de seu livro Canaã (1902), um prenúncio do modernismo: “foi em Londres, por entre nevoeiro e fumaça, tendo como perspectiva infinitos telhados e chaminés, que espalhei em Canaã a luz, a cor, a vida florestal do Brasil”.[41] Ele indica que a luz tropical se inscreve no romance malgrado o contexto da atmosfera densa de Londres, lugar de sua escrita. Em termos das questões do espaço moderno, talvez o maior diálogo pictórico brasileiro de 1908 tenha se dado entre Avenida Central de Visconti e Maternidade em círculos de Belmiro de Almeida, também deste ano. Visconti converte a luz em linguagem, antecipando-se ao diagnóstico do espírito daquele homem brasileiro que desvaira ao não se sentir “em comunhão com a natureza”, descrito por Graça Aranha no texto A estética da vida (1921) que marcaria os modernistas de 1922 em seus desdobramentos futuros.[42] A paisagem em luz, e essa paisagem brasileira Avenida Central é real e absolutamente urbana e, no entanto, constitui uma economia da natureza em sua condição de luz. Ela despreza qualquer alusão à topografia e à luxuriante vegetação tropical. Nada há de pastoral nessa dimensão da nova modernidade de Visconti, pois, ademais, ela é o triunfo da razão e do cálculo sobre o urbanismo colonial quase espontâneo. Tampouco é um Rio exótico ou folclorizado nos parâmetros do que viria a ocorrer em certo nacionalismo modernista, especialmente em Tarsila do Amaral em seu projeto de brasilidade. Não se nota qualquer vestígio da natureza que não seja a atmosfera enevoada; nem há montanha, mar, floresta, nem um protagonismo maior do sol e só um ralo azul do céu. Onde Cézanne buscava a estrutura geológica da paisagem, conforme Maurice Merleau-Ponty,[43] e Grimm, a estrutura geológica e a lógica da sombra (Vista da Ponta de Icaraí), Visconti escrutina a estrutura arquitetônica da avenida Central. Paradoxalmente, a névoa é o símbolo da inescapável presença da natureza na cidade no quadro. Em contrapartida a esse elemento evanescente, o elogio da verticalização da cidade com os prédios altos e suas cúpulas aborda realidades culturais concretas. No entanto, as diferentes nuances estilísticas da arquitetura eclética são dissipadas pela ausência de desenho verossímil na pintura. A presença do sublime no quadro Avenida Central (c. 1908) é também a tradução pictórica do “espetáculo admirável”, entrevisto na névoa, da grande artéria que conduzia a capital do Brasil para um caminho inovador.

EVOCAÇÃO DE LOUISE - OST - 76 x 63 cm - c.1940 - LOCALIZAÇÃO DESCONHECIDA
EVOCAÇÃO DE LOUISE – c.1940

No tocante à história da arte, o quadro de Visconti adapta determinado desafio da pintura impressionista ao clima do Rio de Janeiro. Os efeitos meteorológicos enevoados de Avenida Central levaram à questão, ainda que distinta, dos efeitos da serração ou ruço da Serra do Mar, como em pinturas de Guignard, e dos efeitos da neve (effets de neige) que estão em muitas pinturas brancas de Courbet, Monet e Cézanne (A neve em degelo, Fontainebleau, 1879-1880). “A brancura da neve faz um contraste agradável com a incandescência da tarde”, escreveu Baudelaire em 1859 sobre a paisagem denominada Le Hameau de Bouchez: route de La Ferté-Milon à Langpont de Eugène Lavieille.[44] O historiador Charles Moffett reivindica caráter experimental nesses effets de neige para a pintura do século XIX.[45] A comparação de Visconti à pintura dos franceses deve levar em conta as diferenças entre regiões de clima temperado e tropical. São casos distintos de ocorrência daquilo que Moffett designa como “ideia de atmosfera sensível” (p. 21). Por isso, Pedrosa observa em 1950 que “Ninguém na pintura brasileira tratou com idêntica maestria esse tema perigoso da luz tropical, na imensidão verde da mataria” (p. 130). Avenida Central é da família de certos quadros de Castagneto na Guanabara (Vista do Outeiro da Glória, 1886), da pintura do venezuelano Armando Reverón e de outras paisagens montanhosas do próprio Visconti (Evocação de Louise, c. 1940). A visão pendular de Baudelaire entre o não pastoral e o pastoral encontra eco em Visconti, respectivamente nas cenas urbanas, como Avenida Central e, algum tempo depois, nas cenas de Teresópolis, como a mesma Evocação de Louise, que Pedrosa reputava como de alta realização moderna da relação do pintor com a natureza.

Se a luz tropical é o perene desafio secular da pintura de paisagem nos Trópicos desde Nicolas Antoine Taunay, Visconti escolhe uma situação aparentemente antitropicalista, isto é, oposta ao padrão das expectativas de solaridade e fulgência cromática.[46] Pedrosa via uma palpitação nos cinzas brumosos da atmosfera de Visconti. A visão de Avenida Central está mediada por um filtro de opacidade produzida por um fenômeno ótico: a atmosfera muito úmida e enevoada própria da região da baía de Guanabara. A opacidade comedida de Avenida Central contribui para a homogeneidade tonal do quadro, admitidas as nuances e garantida a unidade do discurso pictórico. Visconti trabalha aí o mesmo fenômeno ótico-atmosférico que Castagneto operou na tela Trecho da praia de São Roque em Paquetá (c. 1898) e que Reverón criou nas paisagens da região costeira de Macuto nas décadas seguintes em avançada síntese (El Playón, 1929, Amanecer en el pozo Ramiro, c. 1938, e La grua, 1942). Nos três pintores, a opacidade desloca o olhar da cena para a superfície material da pintura mesma. Em decidido posicionamento na contramão da luz do Rio, Eliseu Visconti e o fotógrafo Marc Ferrez se apresentam em situações simetricamente opostas no registro do ambiente carioca da nova avenida Central. O impressionismo e o pós-impressionismo estão imbricados com o impacto da invenção da fotografia e suas consequências sobre a apresentação do real, num diálogo entre impressões de luz (a pintura) e escrita da luz (a fotografia). O discurso da luz permeado por certa opacidade nessa pintura de Visconti é oposto à construção ótica de Ferrez, que buscava fotografar o Rio nos meses de menor névoa para justamente obter maior nitidez de seus registros. Como diálogo com a fotografia, Avenida Central tem por objetivo estar fora de foco. Uma conhecida imagem fotográfica de Ferrez de 1908[47] expõe em minúcia a avenida apinhada, suas lojas e vitrines. A tela de Visconti evita corresponder aos valores vigentes da fotografia nessa época. Avenida Central não é uma mancha, não se resolveu como o estudo rápido de um tema pictórico, de um balbucio da linguagem, mas é um quadro complexo e acabado. Suas diminutas dimensões sintetizam a cidade e produzem a concentração do olhar em suas impressões atmosféricas contrapostas à dinâmica da cidade entrevista na pincelada nervosa, ágil e segura. Avenida Central arremata o processo histórico de conversão da paisagem brasileira em luz, que tem em Largo da Carioca e Morro de Santo Antonio (1816) de Nicolas Antoine Taunay, um marco simbólico definido pela Missão Artística Francesa. Avenida Central também se constrói por signos de luz difusa ou rebatida sobre os planos do pavimento e dos toldos das lojas. As delicadas tonalidades de verdes e rosas nos toldos parecem um processo de decodificação dessa luz sob a atmosfera opaca. Pedrosa denominou o fenômeno como “branco sensibilizado” em Visconti, algo também ocorrido em Patinhos no lago (1897). Efeitos de irradiação de luz do sol sobre as paredes brancas do casario ocorreram em pinturas de um Edward Hildebrandt (Largo de Santa Rita, 1846), Hipólito Caron (Paisagem da Gamboa, 1882), Alice Bebiano (Vista da baía de Guanabara, 1898), Abigail de Andrade (A hora do pão, 1889) ou Vitor Meireles (Uma rua na cidade do desterro, 1891), entre muitos outros. O desafio, então, nos parâmetros da modernidade da virada do século XX na Europa, se tornaria converter a luz em cor. Esse novo foco ocorreu na pintura do próprio Visconti (cabe citar de novo Patinhos no lago), Belmiro de Almeida (Jardim com flores, 1891, e Maternidade em círculos, 1908), Ana Vasco (Leme, 1905), Carlos Oswald (Moça lendo, 1912), Henrique Cavalleiro (Balões venezianos, 1912), Rodolfo Chambelland (Baile à fantasia, 1913), Navarro da Costa (Baía de Guanabara, c. 1920), Anita Malfatti (A onda, 1915), Artur Timóteo da Costa (Praça Floriano, 1918), Alfredo Andersen (Paisagem com canoa, 1922), Oswaldo Teixeira (Praça Marechal Floriano, 1922), José Maria dos Reis Júnior (Baía de Guanabara, 1923), Lasar Segall (Morro vermelho, 1926), Tarsila do Amaral (Morro da Favela, 1924), Emiliano Di Cavalcanti (Ilha de Paquetá, c. 1930), Bruno Lechowski (Fundo da baía de Guanabara, 1932), Alberto da Veiga Guignard (Paisagem imaginante, c. 1941), Milton Dacosta (Campo de Santana, 1938), Yoshiya Takaoka (Morro do Pinto, 1938), José Pancetti (Oficinas, 1940), Djanira (Natureza-morta em Santa Teresa, 1953), Iberê Camargo (Paisagem de Santa Teresa, 1946), Flavio-Shiró (Ladeira de Santa Teresa, 1949) e outros.

A dinâmica diagonal que organiza o espaço em Avenida Central acelera o movimento da vista sobre a pista de rolamento, o olhar desliza na cidade agora feita para automóveis. Há pressa, comentava o cronista João do Rio. O espaço é só avenida e campo lumínico. Visconti provoca um olhar de cinematógrafo no espectador. Uma diagonal similar à de Visconti também dinamiza o espaço urbano da pintura Rua (1929) de Tarsila do Amaral. O signo pictórico vale como signo de representação, que por sua vez resulta de um conjunto de elementos e posições estilísticas na definição da paisagem urbana de Visconti. O pintor expõe a largura da avenida e seus edifícios verticais para ensaiar, sem drama, tanto a cena flou do indivíduo solitário na metrópole quanto a convivência no espaço coletivo sob o paradigma moderno de convivência. Na calçada a descoberto à esquerda de Avenida Central, a multidão caminha. É seu triunfo no contexto urbano: a cidade do trottoir. Na citada fotografia de Gilberto Ferrez da mesma avenida, a multidão é compacta e nítida. Muitos fazem compras. Na pintura de Visconti, as pessoas encontram o índice de sua fragilidade moderna nas pinceladas rápidas e abstratas, de caráter denotativo de seu movimento cinemático. Representações da cena cotidiana no novo Rio de Janeiro em telas como Uma rua no centro do Rio de Janeiro (1899), Casa Persa na rua do Rosário (1914), Ronda da favela (1923) e Favela (1917)[48] de Gustavo Dall’Ara indicam que a cidade moderna, como pensava Baudelaire, é uma cidade de conflitos entre tradição e inovação, mas onde também se encontra a precariedade social. O pintor Dall’Ara é o cronista visual da modernidade do Rio de Janeiro, com registro dos paradigmas de embelezamento, higiene, conforto e urbanidade.

TRICOTEUSE - OST - 30 x 46 cm - 1905 - COLEÇÃO PARTICULAR
TRICOTEUSE – 1905

Nesse momento, o próprio quadro Avenida Central consigna a existência de algumas operações visuais de Visconti. A obra mostra o “trabalho de figurabilidade” não iconográfica da cidade, que é o elemento representado pela tarefa mesma de problematizar a representação. Não é tautológico afirmar que a pintura de Visconti constitui e se deixa afetar por suas próprias questões pictóricas. É, pois, uma operação de “opacidade reflexiva”: ela representa algo e se expõe, de modo paradoxalmente transparente, como trabalho de representação no limite crítico do figurável.[49] Em Tricoteuse e Maternidade (1906) como em Avenida Central, Visconti transforma tudo em coisa, em sua inexorável condição de elemento pictórico – e isto é uma característica do pintor conforme observado por Pedrosa (p. 125). Em seguida, os volumes – gente, carros, edifícios – parecem se desmaterializar em pura operação de pintura. O estilo eclético da arquitetura se dilui em manchas abstratas. Visconti transforma a névoa em metáfora qualificadora da opacidade. Isto é, na opacidade presentativa; a própria pintura se faz presente para se colocar em debate como pintura e não como iconografia. É a eficaz operação de Visconti para que a percepção fenomenológica se converta em conhecimento sensível do moderno. Daí poder ser, então, “opacidade reflexiva”. Pintar névoa na técnica desdobrada do impressionismo significou assumir o nível metalinguístico de discussão da própria linguagem da pintura através da paisagem. Impossível não admitir a eficácia do signo pictórico de Visconti na presentação do moderno.

AVENIDA CENTRAL - DETALHE
AVENIDA CENTRAL – DETALHE

Na pintura de Visconti, não se trata de uma transparência mimética do que se presenta em lugar do que simplesmente se representa. Não se trata mais de névoa, talvez nem mesmo do jogo de luz e opacidade, mas de enunciar e tornar presente a própria pintura sob o regime moderno. A pintura é um ato epistemológico sobre si mesma; a paisagem Avenida Central suscita questões complexas para um salto na modernidade brasileira em seu acesso à própria noção de autonomia da linguagem plástica. Louis Marin nos socorre com o instigante conceito de “transparência transitiva”,[50] processo dinâmico em que a opacidade presentativa – como a matéria pictórica que abruma a vista presenta questões visuais – articula uma diferenciação infinita nos próprios elementos plásticos do quadro. Interpreta-se, nesta análise, uma opacidade real atmosférica em Avenida Central para deslocá-la para a presentação do real estritamente sob o regime de uma crise da representação dos edifícios e das pessoas que agora são manchas significantes dada à interpretação. Há uma diferenciação sutil, analítica entre os tons róseos, ocres e marrons que estruturam o quadro. O contraponto noturno dessas sutilezas tonais na paleta brasileira é a pintura Praia de Santa Luzia à noite (1886), de Castagneto, que escapa de se reduzir a uma grisaille pela inscrição do ocre na prevalência de preto e cinzas escuros que dominariam a paisagem. O quadro de Visconti protagoniza, pois, a crise entre o real e o dispositivo mimético da pintura entre matéria pictórica e névoa, entre a representação da coisa (o real) e a significação (não o sentido). Esse é o caráter de sua transitividade na direção de tudo reduzir à condição de pintura. Os toldos, que oferecem sombra para a apreciação das vitrines no bulevar, podem ser tomados como discretas metáforas da tela da pintura. Em Avenida Central, a “consciência da bidimensionalidade do retângulo”, que Pedrosa anotou em Visconti, dispara. Baudelaire, na crítica do Salão de 1859, elogia os paisagistas que constroem suas cenas com elementos essenciais como o céu e o deserto. No mais, diz o poeta, os paisagistas são “animais herbívoros”.[51] A pincelada impressionista de Visconti dissolve o corpo sólido da arquitetura, que é contrastado com a atmosfera enevoada. Uma múltipla fugacidade incide em Avenida Central: a matéria pictórica em sua pincelada, a atmosfera evanescente, o footing da gente, o trânsito dos carros na cena e a própria modernidade passageira. Sob a modalidade de pintura, a paisagem urbana da cidade moderna – opaca por enevoada, transparente pelos problemas pictóricos que suscita – é um dispositivo descritivo no limite de suas possibilidades conotativas da cidade. Essa área da cidade no quadro de Visconti, com lojas e edifícios-sede de companhias e jornais, simboliza a presença do capital e do poder na cena moderna de Avenida Central. De perto, transeuntes, carros e prédios em Avenida Central são só pinceladas.[52] Na economia do signo, até poderia parecer pouco para tanto. No entanto, conforme já discutido, são pinceladas em fluência pós-impressionista. Tal dispositivo se articula ainda com ideia de enunciação em pintura, com uma econômica nomeação visual da coisa ou com a equilibrada equivalência entre imagem, nome e coisa: os edifícios, a avenida, a movimentação de pessoas e veículo, o espaço físico, o espaço social moderno, enfim, a própria pintura. Em 1905, o escritor Lima Barreto escreveu O subterrâneo do morro do Castelo, abordando criticamente as sugestões de derrubada desse morro. Em 1921, o mesmo escritor declarou que “a cidade é uma necessidade; e uma grande cidade, necessidade maior ainda é” (“Urbanismo e roceirismo”). Como Visconti e João do Rio, ele parecia resumir as décadas de transformações que testemunhou com seus contemporâneos. Se para Benjamin cada época se sente inelutavelmente destinada a ser uma nova idade,[53] a pintura de Visconti é profética da implantação da lenta e inexorável modernidade que ocorreria no Rio como em outras cidades brasileiras. Nessa ótica, Avenida Central de Visconti foi e é uma pintura fundamental para se compreender essa passagem para a modernidade brasileira.

 

Para citar este ensaio:

HERKENHOFF, Paulo. “Rio de Janeiro: a paisagem da modernidade brasileira.” In: Sergio Fadel et allii. 5 visões do Rio na Coleção Fadel. Rio de Janeiro, Edições Fadel, 2009, pp. 172-191.

[1] Ver, entre outros textos de Paulo Herkenhoff, “Arte, razão e loucura – de Machado de Assis ao Bispo do Rosário”. Palestra proferida na Casa do Saber, Rio de Janeiro, 2006.

[2] Richard M. Moses. “As cidades ‘periféricas’ como arenas culturais: Rússia, Áustria, América Latina”. Em Estudos Históricos, 8(16):205-225, 1995. Consultado no site <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/174.pdf>, em 1º de março de 2009.

[3] “Casa da rua do Ouvidor, 97/99. Loja A Torre Eiffel”. Em João Pessoa. Lucio Costa: documentos de trabalho. Rio de Janeiro: Iphan, 2004, p. 206.

[4] No período da borracha, Belém será a outra cidade da belle époque brasileira.

[5] Carta a Braga em 31 de março de 1942. Cf. Irma Arestizabal (org.). Eliseu Visconti e a arte decorativa. Rio de Janeiro: PUC, 1982, p. 7.

[6] Nina Rodrigues. “As belas artes dos colonos pretos do Brasil”. Kosmos, I(8). Rio de Janeiro, agosto de 1904.

[7] Ver do autor “A pedra de raio de Rubem Valentim. Obá-pintor da Casa de Mãe Senhora”. Em Salas especiais. 23ª Bienal Internacional de São Paulo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo. 1996, p. 418-424.

[8] Frederico Barata. Eliseu Visconti e seu tempo. Rio de Janeiro: Livraria Editora Zélio Valverde, 1944, p. 127.

[9] Charles Baudelaire. Op. cit., p. 681-724.

[10] Edgard Allan Poe. Nouvelles históires extraordinaires. Trad. Charles Baudelaire. Paris: Michel Lévy Frères, 1857. Ver do autor, Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Salamandra, 1994, p. 59.

[11] Ver Márcio Alves Roiter. O Rio de Gallé. Consultado no site <http://wishreport.ig.com.br/?p=3324#respond>, em 31 de maio de 2009. Roiter é também o principal estudioso do art déco no Brasil.

[12] Ver do autor, Laços do olhar. São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2009.

[13] Sobre o ecletismo de Visconti, ver Gilda Mello e Souza. “Pintura brasileira contemporânea: os precursores”. Em Exercícios de leitura. São Paulo: Duas Cidades, 1980. Mello e Souza não parece atentar para o fato de que a passagem por diversos movimentos significou a exploração experimental de Visconti. A rigor, não se tratou tanto de ecletismo quanto de busca juvenil pela linguagem.

[14] “Introduction”. Em Art nouveau. Peter Selz et al. Nova York: MoMA, 1975, p. 16.

[15] Credito a informação a Nelson Sanjad, o generoso autor da tese A coruja de Minerva: o Museu Paraense entre o Império e a República, 1866-1907. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. Sanjad me chamou a atenção para a relação entre Emil Goeldi e Ernst Haeckel.

[16] Em Irma Arestizabal et al. Eliseu Visconti e a arte decorativa. Op. cit., p. 38.

[17] Frederico Morais et al. “Eliseu Visconti e a crítica de arte no Brasil”. Em Aspectos da arte brasileira. Rio de Janeiro: Funarte, 1980, p. 94.

[18] Um caso típico é o paisagista venezuelano Manuel Cabré. Seria trucidado por certa historiografia da arte da PUC-Rio, UFRJ ou USP. No entanto, é problematizado respeitosamente pelo historiador venezuelano Luis Pérez Oramas na discussão da modernidade latino-americana no catálogo Armando Reverón do Museu de Arte Moderna de Nova York. Ver de Pérez Oramas. “Armando Reverón and Modern Art in Latin América”. Em Armando Reverón. Nova York: MoMA, 2006, p. 99. Com qualidade comparável à obra de Cabré, a modernidade brasileira conheceu pintores como Georgina de Albuquerque, Alfredo Andersen, Theodoro de Bona (e. g. Lagoa Rodrigo de Freitas, 1908), Henrique Cavaleiro, Raimundo Cela, Navarro da Costa, Gustavo Dall’Ara, João Fahrion, Paulo Gagárin, Leopoldo Gottuzzo, Bruno Lechowski, Vicente Leite, Joaquim do Rego Monteiro, Rossi Osir, Carlos Oswald, Leo Putz, Manuel Santiago, Helios Seelinger, Yoshiya Takaoka, Oswaldo Teixeira, Telles Junior, Gastão Worms, entre outros estão à espera de releituras.

[19] Ver Gabriel Weisberg. Art nouveau Bing: Paris style 1900. Nova York: Harry N. Abrahms, 1986, p. 96-137.

[20] Cf. Jean-Paul Bouillon et al. (org.). La promenade du critique influent. Paris: Hazan, 1990, p. 391-293,

[21] Ibidem, p. 369.

[22] Mário Pedrosa. “Visconti diante das modernas gerações” (1950). Em Acadêmicos e modernos. Otília Arantes (org.). São Paulo: Edusp, 1998, p. 132 (Textos Escolhidos III.).

[23] Ver do autor o capítulo “1922, um ano sem arte moderna”. Em Arte brasileira na coleção Fadel: da inquietação do moderno à autonomia da linguagem. Rio de Janeiro: CCBB, 2002, p. 27. O autor expõe os argumentos desta tese: 23 anos separam a tela impressionista Patinhos no lago (1897) da primeira exposição do impressionismo em Paris em 1874, e vinte e três anos separam a mostra de Munch em Berlim em 1892 das primeiras pinturas expressionistas de Anita Malfatti realizadas em Nova York entre 1915-1916, como A onda.

[24] “Illustrated books and periodicals in Brazil, 1875-1945”. The Journal of Decorative and Propaganda Arts. Miami: The Wolfson Foundation of Decorative and Propaganda Arts, 1995, n. 21, p. 67.

[25] Ana Heloisa Molina. A influência das artes na civilização: Eliseu d’Ângelo Visconti e modernidade na Primeira República. Universidade Federal do Paraná, 2004. Consultado no site em 28 de fevereiro de 2009.

[26] Em P. M. Bardi. Lembrança de Le Corbusier: Atenas, Itália, Brasil. São Paulo: Nobel, 1984, p. 121.

[27] Mário de Andrade. O turista aprendiz. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1983, p. 51.

[28] A propósito ver Ruth Levy. Entre palácios e pavilhões: a arquitetura efêmera da Exposição Nacional de 1908. Rio de Janeiro: EBA Publicações, 2008, p. 11.

[29] Walter Benjamin. Paris, capitale du XIXe siècle: le livre des passages Trad. Jean Lacoste. Paris: Les Éditions du Cerf, 2000, p. 145-171.

[30] A propósito, ver Afonso Carlos Marques dos Santos. “A Cidade do Rio de Janeiro: de laboratório da civilização à cidade símbolo da nacionalidade”. Em A visão do outro: seminário Brasil-Argentina. Brasília: Funag, 2000, p. 149-174.

[31] Mário de Andrade. O turista aprendiz. Op. cit., p. 54.

[32] João do Rio. A alma encantadora das ruas. Paris: Garnier, 1908.

[33] João do Rio. Cinematographo: crônicas cariocas. Porto: Chadron de Lello & Irmão, 1909, p. v.

[34] Bruno Lechowski, a arte como missão. Curitiba: Museu de Arte do Paraná, 1992, p. 17.

[35] O crítico Gonzaga Duque foi um de seus criadores.

[36] Aline da Silva Novaes. “O cotidiano carioca narrado pelo cinematographo de João do Rio”. Consultado no site em 24 de janeiro de 2009.

[37] Raúl Antelo. Introdução. Em A alma encantadora das ruas. Op. cit., p. 7. (Grifo de Antelo).

[38] “Le peintre de la vie moderne”. Em Écrits sur l’art. Paris: Librairie Générale Française, 1999, p. 518. Baudelaire aí escreve que “La modernité, c’est le transitoire, le fugitif, le contingent, la moitié de l’art, dont l’autre moitié est l’éternel et l’immuable”.

[39] Visconti celebra a convivência entre herança colonial e modernidade em pinturas como Arcos da Lapa (c. 1925), registrando o bonde elétrico para Santa Teresa, inaugurado em 1896.

[40] Charles Baudelaire. “Salon de 1859”. Em Op. cit., vol. II, p. 660.

[41] Graça Aranha. “Aos artistas brasileiros” (1930). Em Obra completa. Afrânio Coutinho (org.). Rio de Janeiro: INL, 1969, p. 902.

[42] Ibidem, p. 621.

[43] Maurice Merleau-Ponty . “La doute de Cézanne”. Em Sens et non-sens. Paris: Gallimard, 1996, p. 22.

[44] “Salon de 1859”. Op. cit., 2007, p. 664.

[45] Charles Moffett. “Effet de neige: ‘Claude Monet and few others…’”. Em Impressionists at winter: effets de neige. Charles Moffett (ed.) et al. Washington: The Phillips Collection, 1998, p. 22.

[46] O esplendoroso cenário da Capital do Império na pintura Vista panorâmica do Rio de Janeiro, tomada na rua Senador Cassiano, em Santa Teresa (1883), de J. Georg Grimm, tem um ponto extremo da luz romântica e da pintura do plein air. Nicolao Facchinetti (Enseada de Botafogo, 1868), Emil Bauch (Paisagem do Rio vista de Santa Teresa, c. 1870), Alice Bebiano (Vista da baía de Guanabara tomada do Morro da Glória, 1898), Henrique Tribolet (Entardecer na baía de Guanabara, vista de Niterói, 1898), Luis Graner y Arrufi (Entardecer na baía de Guanabara, sem data) celebram a luz do pôr do sol. Em Santa Catarina, merece destaque pinturas como A Esquadra Imperial Brasileira na baía do Desterro (1867) e Vista da Lagoa de N. S. da Conceição, tomada do Morro da Trindade (1868) de Joseph Bruggemann.

[47] Em Paulo Herkenhoff. Arte brasileira na coleção Fadel: da inquietação do moderno à autonomia da linguagem. Rio de Janeiro: Centro Cultural do Banco do Brasil, 2002, p. 23.

[48] Sem acesso à pintura, o autor não sabe se o título foi dado pelo próprio pintor ou atribuído postumamente.

[49] Os termos entre aspas neste parágrafo são extraídos de Louis Marin. “Le concept de la figurabilité”. Em De la représentation. Paris: Seuil-Gallimard, 1994, p. 67.

[50] Louis Marin. “Mimésis et description”. Op. cit., p. 264.

[51] Charles Baudelaire. “Salon de 1859”. Op. cit., 2007, p. 660.

[52] Evita-se o termo “mancha”, em lugar de pincelada. Falar aqui de “mancha” poderia causar confusão com o procedimento pictórico homônimo, que corresponde a uma anotação breve de uma ideia ou de uma impressão, de uma ideia de pintura em processo.

[53] Walter Benjamin. Paris, capitale du XIXe siècle: le livre des passages. Trad. Jean Lacoste. Paris: Les Éditions du Cerf, 2000, p. 562. Em outra passagem desse livro, Benjamin transcreve uma sentença análoga de Michelet: “cada época sonha com a seguinte” (p. 172).